-MARISE COSTA DE SOUZA DUARTE-
Estamos assistindo a um gravíssimo e caótico quadro de devastação ambiental no Brasil, onde nossa atenção da vez é o Pantanal. No mesmo contexto estão os incêndios na Amazônia, o derramamento de óleo na costa brasileira no ano de 2019, os desastres de Mariana e Brumadinho, para falar apenas das situações absurdamente graves.
Diante dessa realidade, nos juntamos em campanhas, ações de solidariedade, ajuizamos ações judiciais buscando a reparação e a condenação dos culpados; enfim, fazemos tudo o que podemos fazer como pessoas que se sensibilizam com o que está acontecendo e usam seus melhores esforços e talentos para fazer o que está ao seu alcance. Esse é o lado bonito (humano) desse quadro devastadoramente triste e caótico. E devemos continuar fazendo tudo isso e muito mais.
Mas pensando sobre a gravidade dessas coisas e de tudo o que está por trás, me pergunto: onde está o “buraco do vazamento” e a “faísca do fogo”? Figurativamente foram essas as imagens que me vieram para pensar e refletir, escrevendo, sobre algo que para mim hoje é essencial de ser compreendido e conversado em larga escala.
Como se origina toda essa (catastrófica) situação? Ou seja, onde está a origem de tudo isso? Essas reflexões (que hoje fazem parte da minha vida) não são novas. Na verdade, há milênios tem muita gente falando sobre isso. Em outro contexto e com outras palavras, Jesus, Buda, Alan Kardec, dentre outros grandes espíritos iluminados da Humanidade, nos trouxeram muitos ensinamentos para pensar em tudo isso e começar a agir de forma diferente. Alguns entenderam. Outros não. E agora, cá estamos nós, desesperadamente, buscando saídas.
E aí vem a pergunta: onde está o buraco do vazamento e a faísca do fogo? Pergunta complexa? Pergunta óbvia? Não sei o que você está pensando exatamente agora. Mas o que posso te dizer é que a resposta é absolutamente simples. O buraco do vazamento e a faísca do fogo estão no espaço da consciência e do coração de cada um de nós! E aí, você que já chegou até essa parte do texto, está pensando. Não! Não acredito que essa mulher vai começar com esse papo de consciência e de coração!!! Mas fica aqui só mais um pouquinho. Garanto que vou ser breve.

Há alguns anos, Bill O´Brien[1] disse que “o sucesso de uma intervenção depende do estado interior de quem intervém”. O que ele quis dizer com isso? Usando das minhas palavras, ele disse que tudo o que você faz depende de como você está ou como você se sente. Essa, podemos dizer, foi a essência do pensamento do O’Brien; mas que pode ter inúmeros desdobramentos e suscitar incontáveis insights. Foi o que aconteceu com um professor de MIT[2], que havia sido um ativista ambiental na sua juventude, para o qual essa frase ressoou profundamente. E o ajudou a entender que “o que conta não é o que os líderes fazem e como fazem, mas seu ´estado interior´, o lugar a partir do qual operam ou a fonte a partir da qual todas as suas ações se originam”[3]. Conectando essa compreensão com anos de estudos e outros saberes e práticas, Otto Scharmer construiu a Teoria U, que, explicada de modo absolutamente resumido (o livro tem mais de 400 páginas)[4], consiste numa construção teórica e metodologia de transformação social, que, unindo ciência, consciência e prática, nos mostra que para sair de uma situação de crise, de insatisfação, de desconforto (onde não queremos mais estar) e chegar a um outro lugar onde queremos estar (ativando campos sociais generativos), o caminho não pode ser numa linha reta, mas tem que passar pelo espaço da consciência. Pelo espaço de uma conexão mais profunda com o que somos e com o que queremos ser, espaço que ele denominou de presencing, que é a junção das palavras presence (presenciar) e sensing (sentir).
A partir dessa compreensão essencial, o Professor Otto Scharmer construiu um caminho - em forma de U – onde, a partir da descida do U (pelo lado direito) e sua subida, pelo lado esquerdo, você passa pela abertura da mente, do coração e da vontade (simbolizada pelas mãos). Na construção de seus fundamentos teóricos e consequente metodologia de ação, o Prof. Scharmer nos traz (em forma de imagem, representadas por três pontas de icebergs) as grandes divisões que se colocam na atualidade: a ambiental, a social e a espiritual. Na ambiental, se verifica uma desconexão entre o “eu” e o Planeta; na social, a desconexão é entre o “eu” e o outro (que se reflete na nossa desconexão com a crise social global em suas diversas dimensões) e na espiritual, a desconexão ocorre entre o “eu” e o “Eu” (ou seja, com algo maior que justifica nossa existência).
Abaixo dessas três grandes pontas dos icebergs (das divisões) estão o que ele denomina de “bubbles” (bolhas), que determinam as grandes divisões, mas que estão “escondidas” da nossa visão e que precisam ser enfrentadas. Essas bolhas vão desde a forma como tratamos o direito de propriedade, passando pelo consumismo que se instalou no mundo, até como atualmente é exercida, pelos agentes internacionais, a coordenação dos grandes problemas globais. Isso se conecta, por exemplo, com o que Fritjof Capra e Ugo Mattei consideram (em seu livro, A Revolução Ecojurídica) como os grandes determinantes da situação caótica global: os “superpoderes” (nome dado por mim agora) da soberania e da propriedade.
Enfim, terminando esse texto (prometi que ia ser breve) e apenas introduzindo “um mundo de reflexões” que a Teoria vem me ajudando a construir, me parece ficar, cada vez mais claro, que “o buraco do vazamento e a faísca do fogo” estão exatamente onde não costumamos olhar: naquele espaço interior do qual falava O’Brien. Assim, estou cada vez mais convencida que, “pari passu” com todo o esforço da sociedade e dos juristas no enfrentamento desse quadro caótico em que nos encontramos, especialmente no Brasil, a busca em contribuir, de forma mais ampla e concreta possível, com o “despertar de consciências”, o “tocar de corações” e o “impulsionar as vontades” (usando os campos de abertura que a Teoria U nos traz) deve estar na agenda do dia, seja na academia, nas organizações e nos diversos círculos, iniciativas e ações sociais. Essa rede já começou a se formar, mas precisa ser ampliada.
[1] O último CEO da Hanover Insurance, que teve esse insight depois de dez anos administrando projetos de aprendizagem organizacional e facilitando mudanças corporativas (SCHARMER, 2019) [2] Massachusetts Institute of Technology - EUA [3] A fonte, segundo Scharmer, é o lugar de onde se originam nossa atenção e intenção. [4] Assumindo o risco de omitir alguns aspectos essenciais.
Marise Costa de Souza Duarte é Professora da UFRN, associada da APRODAB e do IBAP.
Marise, gratidão por sua louvável reflexão e sua didática ao apresentar a teoria U!! Concordo com vc: todos os ambientes, sejam acadêmicos ou não, deveriam repensar suas ações a partir dessa consciência plena sobre o ser em essência. Você fez-me lembrar Bakhtin qdo fala em alteridade. Enfim, parabéns por suas urgentes letras!