-JULIO CESAR DE SÁ ROCHA-
Tive oportunidade de ministrar a Disciplina DIREITO, RACISMO E POLÍTICAS AFIRMATIVAS DIRC01-UFBA, realizada no semestre 2018, em torno dos Seminários Temáticos "Golpe (s) e o Genocídio do Povo Negro”, no Programa Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito da UFBA, com análise da obra do intelectual Abdias Nascimento. O principal objetivo do estudo, coordenado com o Mestre Diosmar Marcelino Santana Filho, estava na leitura e interpretação em tempos presentes do livro “O Genocídio do Povo Negro Brasileiro – Processo de um Racismo Mascarado” do intelectual negro Abdias Nascimento (1914-2011). Nossa principal estratégia foi o fortalecimento dos aprendizados trazidos na celebração dos 40 anos de publicação do livro, contextualizando cada capitulo com uma temática do presente por encontro e com convidados e convidadas em cada sessão de debate.
O genocídio do negro brasileiro, obra escrita em 1976, com primeira publicação brasileira em 1978, denuncia a desigualdade étnico-racial no Brasil e aborda assuntos extremamente atuais sobre as diversas faces do racismo. Com efeito, Abdias pontuava que “as estruturas das relações de raça não se têm modificado desde os tempos coloniais até os dias atuais presentes. Ontem eram os africanos escravizados. E aduz, hoje são os negros discriminados. Desde os primeiros tempos da vida nacional aos dias de hoje, o privilégio de decidir tem ficado unicamente nas mãos dos propagadores e beneficiários do mito da “democracia racial”. Os brancos controlam os meios de disseminar as informações do país; o aparelho educacional; eles formulam os conceitos, as armas e os valores do país. (NASCIMENTO, 2016, Abdias, p. 54).
Por sua vez, a leitura da obra “O Genocídio do Negro Brasileiro” permite indicar que esforços, como a sanção da Lei 7.716/89, pelo então presidente da República José Sarney e que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor e conhecida como “Lei Caó”, faz parte da estratégia de luta de combate ao racismo no Brasil.
Necessário pontuar que a norma é originária do PL 52/88, de autoria do baiano e radicado no Rio de Janeiro ex-deputado Federal Carlos Alberto Caó de Oliveira, falecido em fevereiro de 2018. Caó atuou na vida parlamentar, foi militante do movimento negro e jornalista, tendo participado, inclusive, da Assembleia Constituinte que redigiu a Carta de 1988. O parlamentar se tornou notório por ser o proponente, também, do dispositivo constitucional que tornou a prática de racismo crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão (inciso XLII do artigo 5º da CF/88).
Aliás, nas décadas de 1980 e 1990, “o movimento social afro-brasileiro cresceu e ganhou aliados, multiplicando o peso da denúncia a ponto de colocar na pauta das discussões de políticas públicas no país a formulação de propostas antidiscriminatórias e de ação compensatória ou afirmativa para a promoção da igualdade (MUNANGA, Kabegele, 1996, Estratégias e Políticas de Combate à Discriminação Racial).
Contudo, o combate ao racismo precisa continuar, principalmente porque o processo de um racismo mascarado persiste, basta lembrar as desigualdades a que estão submetidos negros e negras no mercado de trabalho (negros e pardos ganham, segundo dados PNAD de novembro de 2017, 55% do rendimento médio mensal dos brancos no Brasil); os índices de permanência nas escolas (4 em cada 10 jovens negros não terminam o ensino médio, IBGE/PNAD 2018) com destaque para reprovações e abandono de negros; no percentual aquém nas universidades (cerca de 13,5%), a população negra é a que mais sofre com a pobreza pois três em cada quatro pessoas entre os 10% mais pobres do país são negras, segundo dados do IBGE 2015; no extermínio continuado de jovens nas periferias urbanas (dos 30 mil jovens assassinados por ano, 77% são negros, Anistia Internacional). Enfim, Carlos Alberto Caó de Oliveira e Abdias Nascimento tinham identidade nas inciativas de combate ao racismo, ativistas pelos direitos do povo negro, oferecendo-nos legado histórico da luta pela igualdade.
*Publicação feita para o site e simultânea para a Revista Comemorativa novembro 2019, PGE Procuradoria Geral do Estado da Bahia: Lei Caó 30 anos: A Lei que criminalizou o racismo.
JULIO CESAR DE SÁ ROCHA é Professor da Faculdade de Direito da UFBA. Atualmente, ocupa a função da Diretor da unidade para o período 2017-2021.
Parabéns Julia Cesar. Muito boa ideia fazer seminários completos a partir de obras como a de Abdias.