- Sebastião Staut -

Minha avó, Dona Antonieta, lá pelos idos de 1970, tinha em seu quarto, fixada no espaço da parede acima da cabeceira da cama, uma grande fotografia. Media, imagino eu, uns 50 centímetros de largura por 80 de altura, muito detalhada e realística, em papel acartonado e acabamento brilhante e macio.
Fixado diretamente sobre as tintas da parede, sem moldura, em destaque absoluto naquele ambiente sóbrio e um tanto escurecido pela mobília pesada, luzia o enorme fotograma do então Papa Paulo VI, devidamente paramentado como Sumo Pontífice, sustentando um sorriso muito tímido, ou um quase sorriso, e uma expressão tranquila, como um guardião do sono daqueles que estivessem sob a sua proteção.
Era, em suma, o que costumávamos chamar, naquelas priscas eras, de pôster, sendo certo que, na verdade, eram muito mais direcionados à divulgação de artistas populares, de estrelas do “show biz”, destaques da televisão e da música como também de craques do futebol, dos clubes e suas equipes.
Todo mundo tinha ou desejava ter um pôster bacana. Eu mesmo tinha o meu no quarto, brindado pela revista esportiva PLACAR, então muito prestigiada, da equipe corinthiana que viria a disputar o campeonato paulista de 1971, infelizmente para mim e, como ficou depois demonstrado, sem maior sucesso.
Por isso mesmo me estranhava muito que a vovó, em vez do pôster de um cantor italiano ou um galã de novelas, sei lá, tivesse sobre sua cama a figura do Papa. Pensava eu, ainda na primeira infância, que aquilo representava uma austeridade meio sem graça, a perda de um espaço que poderia ser melhor aproveitado. Nunca diria isso a ela, e nem a mais ninguém, porque estava em pleno curso de catecismo e primeira comunhão, no qual a reverência ao Papa era regra que não admitia o menor questionamento.
Mas, como diria o inesquecível narrador de futebol da época, Fiori Gigliotti, “o tempo passa”, e para trás ficaram vó Antonieta, de maviosas e indeléveis lembranças e seu pôster do Papa Paulo VI, cujo paradeiro, se é que, ainda existe, desconheço por completo.
E porque estaria eu me recordando disso, depois de tanto tempo e justamente quando estava a ponto de escrever minha coluna mensal para a Revista PUB?
Porque as notícias, lamentavelmente, não são boas, e o Papa que hoje pontifica enfrenta momentos críticos em sua saúde, sendo que maus prognósticos são reiterados na imprensa a todo instante.
Papa Francisco, nascido em Buenos Aires, Argentina, como Mario Jorge Bergoglio, assumiu o papado em 2013 e, desde então, vem imprimindo simplicidade, humanidade, humildade e principalmente bondade ao seu pontificado o que, diga-se, não vinha sendo a regra.
Para além da religião católica, para além de qualquer credo ou dogma, sempre me fascinou essa figura inteligente, doce, empática, corajosa e bondosa. Enfrentou e continua a enfrentar com enorme coragem e sabedoria as dificuldades próprias a quem dirige uma instituição de dois mil anos e, como seria de se esperar, muito conservadora.
Não esquece em nenhum momento as parcelas mais vulneráveis e sofridas do povo, sejam quais forem seus credos, leva para onde vai, e é incansável, a palavra da solidariedade, da tolerância e da esperança.
Impossível mensurar a importância desse apostolado no mundo em que vivemos hoje, cada vez mais mergulhado em violência, genocídio, individualismo, preconceito, boçalidade e prepotência do poder econômico.
Precisamos muito desse homem conosco. Necessitamos que recupere sua saúde e ainda nos acompanhe neste momento tão crítico. Nunca me esqueço de sua figura, em plena pandemia de COVID-19, no meio da imensa Praça de São Pedro, orando sozinho, na chuva, abençoando a todos com a “Urbi et Orbi”.
Paulo VI, certamente, foi um Papa muito diferente do Papa Francisco. Mas atualmente, passados tantos anos, posso entender com quase nenhum estranhamento o pôster da vó Antonieta.
Talvez, hoje, se eu tivesse um do Papa Francisco eu também o colocasse sobre minha cama.
Sebastião Vilela Staut Júnior é advogado, Procurador do Estado de São Paulo aposentado, associado do IBAP e contista/cronista acidental. Publica sua coluna mensalmente todo dia 26.
Obrigado Guilherme! Uma honra para mim a leitura, mais ainda o gentil comentário
Fiquei tocado pela forma como Sebastião conectou memórias pessoais com reflexões sobre o Papa Francisco. A lembrança do pôster do Papa Paulo VI no quarto da sua avó trouxe uma sensação nostálgica, e sua análise sobre a humildade e empatia do Papa Francisco é realmente inspiradora. Um texto que une passado e presente de maneira sensível. Parabéns!