NÃO SE FAZEM MAIS CIROS COMO ANTIGAMENTE
- Revista Pub
- 26 de jun.
- 3 min de leitura
-SEBASTIÃO STAUT-

Sábado. Enquanto me preparava para escrever esta coluna para a Revista PUB, fico sabendo que os Estados Unidos estão bombardeando o Irã. É a formalização da guerra anunciada, o início de mais uma intervenção que sabemos como começa, mas não como e quando pode acabar, se é que vai acabar.
Diante da sensação de desânimo e tristeza por saber que as inenarráveis situações de sofrimento humano que derivam dos conflitos no Oriente Médio vão perdurar, que as crianças famintas de Gaza ainda vão ter de suportar o insuportável por mais e mais tempo, corro os olhos pela estante da biblioteca e, como num jogo de coincidência, o primeiro livro que focalizo é Ciropedia, de Xenofonte, uma edição antiga, da Jackson, herdada de meu pai, cuja data não consigo precisar, traduzida por João Félix Pereira e prefaciada por Antenor Nascentes.
O livro, cuja importância literária e transcendência histórica é de conhecimento do leitor e dispensa comentários, trata de descrever a vida e a educação de Ciro, Rei da Pérsia, que era o nome histórico da região que hoje se conhece, e aqui aparece o jogo de coincidência que citei, por Irã.
O hoje bombardeado Irã é um país belíssimo, riquíssimo em história e recursos naturais. A partir de milênios de cultura encimados pelos reinos Aquemênidas, dos mais influentes e sofisticados da antiguidade, resplandecem em sua arquitetura, idioma, literatura, ciência, medicina e artes as virtudes então exaltadas na Ciropedia. As ruínas de Persépolis, ainda hoje, deslumbram e ilustram esse passado glorioso.
Ciro, o protagonista da CIROPEDIA, assim foi retratado por Xenofonte, em excerto de sua obra, litteris: CIRO, CUJO NOME AINDA HOJE É CELEBRADO PELOS BÁRBAROS, ERA DE ESTATURA ELEGANTÍSSIMA, DE UM CORAÇÃO CHEIO DE BENEVOLÊNCIA, E MUITO AMANTE DA SABEDORIA E DA HONRA. PARA GANHAR APLAUSOS, SOFRIA OS MAIORES TRABALHOS, E ARROSTAVA-SE COM OS MAIS EVIDENTES PERIGOS. TAIS FORAM SUAS QUALIDADES MORAIS E FÍSICAS QUE A HISTÓRIA NOS TRANSMITIU.
Já a organização social da Pérsia de Ciro assim era tratada no mesmo tomo: CIRO FOI EDUCADO SEGUNDO AS LEIS DA PÉRSIA, QUE TODAS TENDEM AO BEM COMUM. ESTAS LEIS DIFEREM DAS POR QUE SE REGULA A MAIOR PARTE DAS NAÇÕES. NA MAIORIA DAS NAÇÕES É, POR LEI, PERMITIDO AOS PAIS DAREM A SEUS FILHOS O GÊNERO DE EDUCAÇÃO QUE LHES APRAZ, E CHEGADOS OS FILHOS A CERTA IDADE, TAMBÉM É LICITO A ESTES VIVEREM INDEPENDENTES. NESTES PAÍSES SÓ É PROIBIDO O FURTO, O ROUBO, ENTRAR VIOLENTAMENTE NAS CASAS, OS ULTRAJES INJUSTOS, O ADULTÉRIO, A DESOBEDIÊNCIA AOS MAGISTRADOS, E OUTRAS COISAS TAIS. O QUE INFRINGE ALGUM DESTES ARTIGOS, É CASTIGADO. AS LEIS DOS PERSAS NÃO SÃO ASSIM, TRATAM DE OBVIAR A QUE DESDE A PRIMEIRA IDADE OS CIDADÃOS SEJAM INCLINADOS À DISSOLUÇÃO E DESONESTIDADE...
Esse mesmo Irã, outrora Pérsia, já em tempos modernos (1953), foi dos primeiros países do Oriente Médio a nacionalizar o petróleo e sua exploração, razão que levou à deposição e prisão do então primeiro-ministro Mohammed Mossadegh e a um longo período ditatorial de vassalagem aos interesses do ocidente, capitaneado pelo Xá Mohammad Reza Pahlavi, que só veio a terminar com a vitória da revolução de 1979, também conhecida como revolução islâmica.
Trago estas observações sem qualquer pretensão de, numa crônica, aprofundar-me sobre intrincadas questões de natureza geopolítica, mas apenas no intuito de expressar meu inconformismo e minha angústia, que sei ser a de muitas e de muitos, com todo esse mar de destruição, violência, dor e incertezas.
Como este triste e gravíssimo período de guerra vai se desenrolar? Não sei. Quanto sofrimento humano ainda há por vir? Não sei. Se esse conflito vai nos aproximar ainda mais de uma catástrofe climática ambiental? Não sei tampouco.
Mas, neste mesmo dia de incríveis coincidências, indo de salto direto dos conflitos que assolam o mundo para os percalços de nossa política regional, passo a escutar no rádio referências a outros Ciros, estes bem notórios e nossos, quais sejam, o Ciro Nogueira e o Ciro Gomes.
Inunda-me o espanto! Quanta diferença, mas quanta, entre o Ciro Rei da Pérsia e seus xarás desta terra de palmeiras, onde canta o sabiá.
Como dizia meu pai, por imperativo de fineza, dos finados e de quem não está presente, se nada, mas nada mesmo, se pode dizer de bom, o melhor é calar.
Então, seguindo a regra ensinada, perante os Ciros pátrios, me calo peremptoriamente, sem, contudo, perder a oportunidade de dizer:
Já não se fazem mais Ciros como antigamente...
Sebastião Vilela Staut Júnior é advogado, Procurador do Estado de São Paulo aposentado, associado do IBAP e contista/cronista acidental. Publica sua coluna mensalmente todo dia 26.
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