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Bom dia, Presidente! Hora de acordar


-GUILHERME PURVIN-



Por Mídia NINJA - https://www.flickr.com/photos/midianinja/29568404732/, CC BY-SA 2.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=67389273

Não é por falta de assunto que a Revista PUB Diálogos Interdisciplinares vai terminar a última semana do mês sem artigo. Difícil é escolher o assunto, até porque todos os fatos convergem para a mesma realidade. Selecionei alguns.


Michelle Bolsonaro, cidadã paulistana


Prefeito pretendia usar o Teatro Municipal como palanque para divulgação do factoide. O Judiciário paulista impediu a conspurcação do teatro e mandou realizá-lo no cafofo que decidiu dar essa homenagem. A proibição judicial foi desprezada pelo vereador Rinaldi Digilio, do União Brasil, que afirmou que estava pagando 100.000 reais pelo uso do espaço.


Qual dos temas merece com mais urgência a nossa irresignação? O uso do local que um dia foi palco da Semana de Arte Moderna para a realização de um ato político da extrema-direita e das franquias teocráticas? A homenagem em si, outorga de um título a uma figura menor e cujo nome sequer mereceria ser lembrado, é algo totalmente irrelevante. À míngua de mais áreas verdes para ceder a concessionários incompetentes, nossas vereanças soltam fogos de artifício. Canalizam as forças de oposição democrática para uma luta ridícula e desimportante. Um título de cidadão paulistano, na verdade, é o mesmo que um cheque bancário: o titular pode jurar que vale alguma coisa, mas nem o boteco mais fuleiro vai aceitá-lo.


Resta saber como é que o vereador conseguiu um empréstimo bancário instantâneo de 100 mil reais e a locação igualmente instantânea do teatro. Haja dinamismo bancário e da burocracia da fundação municipal!


Lula silencia a Administração Federal


Não é para ninguém sair falando dos 60 anos do golpe que instaurou a Ditadura Empresarial-Militar de 1964-1985. Os militares podem se melindrar.


A esquerda, perplexa, se pergunta então se não é para instaurar o poder civil no país. Ao longo de todo o período em que esteve preso em Curitiba, Lula recebeu diariamente demonstração de solidariedade de todos os militantes acampados nas redondezas da Polícia Federal.


Quando de seu retorno a Brasília, todos acreditaram num terceiro mandato mais incisivo, na radicalização da crença nos valores democráticos e na justiça social. A posse simbólica com a subida da rampa do palácio com representantes dos setores mais marginalizados da sociedade — mulheres, negros, pessoas com deficiência, povos originários — era um verdadeiro desagravo a todos os horrores por que havíamos passado ao longo dos últimos seis anos de misoginia e militarização da política.


Mais do que troca de Ana Moser por Fufuca — uma lamentável barganha com a escória direitista para preservar um mínimo de governabilidade —, a indicação do advogado Cristiano Zanin para o STF e as recentes declarações no sentido de que não irá mais se preocupar com nomeação de mulheres, de afrodescendentes ou povos originários, de representantes da comunidade LGBTQIA+, mas sim de quem fecha com ele foram um banho de água fria nas esperanças de todos.


Mas nenhuma dessas guinadas cada vez mais escancaradas para o centro (leia-se, para a direita) foi mais deprimente do que a ordem de silêncio diante dos 60 anos do golpe de 1964. Fica a pergunta: se é assim, qual é o papel de Silvio de Almeida nesse governo?


Bolsonaro se refugia na Embaixada da Hungria


O Supremo Tribunal Federal manda Jair Bolsonaro entregar seu passaporte. Bolsonaro conclama seus seguidores a se manifestarem nas ruas e corre para se abrigar na Embaixada da Hungria.


Antes de mais nada, é preciso destacar o vexame completo da (ausência de) imprensa brasileira. O furo jornalístico foi dado pelo New York Times! Ou melhor, foi dado para o NYT, numa evidente demonstração de total desconfiança do denunciante na imprensa brasileira, totalmente conivente com as atrocidades cometidas pela extrema-direita. Por exemplo, com a continuidade da matança no litoral paulista, cuja Operação Verão já soma 53 óbitos.


No mundo da fantasia dos tempos de estudante de jornalismo, eu perguntaria: nenhuma chefia de reportagem designou jornalistas para acompanharem o paradeiro do inelegível após a apreensão de seu passaporte e a realização do ato na Paulista? Nem na Folha? Nem no Estadão? No Globo? Na Veja? Istoé? Correio Braziliense?


Estamos diante de um pacto de silêncio dos meios de comunicação ou da completa decadência do Jornalismo, transformado em mero repetidor de declarações oficiais? A primeira hipótese exigiria provas. A segunda é fato notório.


Por outro lado, nossa Polícia Federal, que tão intensamente vem participando tampouco deu pelo sumiço de Bozo por dois dias. Tudo bem, não havia nenhuma obrigação de vigiar seus passos e, se a tivesse, fica a questão: não é necessário passaporte para ingressar numa embaixada estrangeira. Mas se Alexandre de Moraes tivesse mandado colocar uma tornozeleira (ou uma coleira) eletrônica no ogro, talvez a notícia chegasse ao NYT mais cedo.


O mais relevante, ao que parece, não é sequer a eventual expedição de mandado de prisão cautelar do provocador covarde, mas o grau de coesão da extrema direita internacional, em especial da Hungria e de Israel, que vêm se imiscuindo na política interna brasileira de modo tão explícito que fazem a ligação dos antigos PCB e PC do B com a extinta URSS e com a China parecer não mais do que um flerte, uma troca furtiva de olhares.


Etcétera...


Mas tem ainda muito mais a ser debatido! A Polícia Federal concluiu sua investigação sobre os mandantes do assassinato de Marielle Franco e o STF expediu mandado de prisão de um deputado chamado Chiquinho Brazão (da União Brasil), seu irmão Domingos Brazão (conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro) e do chefe da polícia civil do Estado do Rio de Janeiro, Rivaldo Barbosa.


O volume de notícias estarrecedoras acaba por nos anestesiar emocionalmente. Tudo vai se transformar em meme, vamos rir muito e esquecer. Da mesma forma que esquecemos aquela votação do impeachment de Dilma Roussef e a intensa participação da Justiça Federal, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, do STJ e do STF na continuidade de uma farsa forense batizada de "Lava Jato", assim mesmo, com erro gramatical que é quase uma rubrica pessoal de seu condutor, o ex-juiz federal Sérgio Moro.


Dentro de cinco dias será o 31 de março. Se deixarmos essa data passar em branco, teremos que admitir que Guimarães Rosa estava certo: somos mesmo um povinho prascóvio.


 

Guilherme Purvin é Procurador do Estado/SP Aposentado, Coordenador Internacional do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública, Professor de Direito Ambiental e Ficcionista, autor dos livros de contos "Laboratório de Manipulação" (2017), "Sambas & Polonaises" (2019), "Virando o Ipiranga" (2021) e "Paredes Descascadas" (2023).







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