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Nicolau Gregorin possibilitou a mudança dos rumos do IBAP e da APRODAB

- Guilherme José Purvin de Figueiredo -



No dia 25 de abril de 2023, terça-feira, deixou-nos prematuramente o querido professor José Nicolau Gregorin Filho, do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Nicolau Gregorin foi, de certa forma, a pessoa que viabilizou uma guinada de 180 graus na compreensão epistemológica do Direito Ambiental e Urbanístico pelos membros do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública e da Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil.


Antes de falar desse grande parceiro e amigo, porém, gostaria de abordar rapidamente meu contato com a Literatura Infantil e Juvenil.


Em 2007, em visita que fiz com o amigo Rogério Emílio de Andrade ao escritório do professor Valentim Facioli (Letras USP), que conheci ainda adolescente à época em que cursava o Colégio Objetivo da Avenida Paulista, ganhei o livro “Bichos Amáveis” (ilustrações de Milton Rodrigues Alves). Os poemas do professor Valentim, diretor da Editora Nankin e um nome respeitabilíssimo no meio acadêmico, elaborados com muita graça e estilo para seus filhos e netos, abriram os meus olhos para a relevância desse segmento da literatura.


Oito anos mais tarde, em 2015, aplaudi as produções editoriais desenvolvidas pela amiga Luciana Cordeiro de Souza, professora de Direito Ambiental, voltadas à educação ambiental de crianças. Tratava-se da série protagonizada pela personagem Clara, uma gotinha d’água (ilustrações de Marcos Ribeiro).


Mas foi somente no ano de 2017 que compreendi a exata dimensão da Literatura Infantil e Juvenil. Na oportunidade, tive a sorte de conseguir vaga numa das disciplinas mais disputadas do curso de graduação em Letras da USP, ministrada no período noturno pelo professor José Nicolau Gregorin Filho. Ao longo daquele ano, compreendi o grau de minha ignorância sobre disciplina tão complexa.


A seriedade com que o professor Nicolau Gregorin tratava a matéria não o impedia de ministrar suas aulas com muito bom humor e inventividade, fazendo com que todos os alunos participassem dos debates e se apaixonassem por verdadeiras obras primas que, na maior parte das vezes, acabam sendo relegadas para um plano inferior. Dois autores particularmente atraíram minhas atenções, ambos indicados naturalmente pelo professor Nicolau: Ricardo Azevedo (autor de “A casa do meu avô” e de “Ninguém sabe o que é um poema”, dentre outros) e Luís Camargo (autor de “O cata-vento e o ventilador”, “A traça travessa”, “Panela de arroz” e “Ficar junto”).


As conversas com Nicolau Gregorin prosseguiam para além da sala de aula. Acompanhava-o nos intervalos até os corredores que ligam o prédio das Letras ao das Ciências Sociais e à Biblioteca Florestan Fernandes, ocasião em que ele, fumante inveterado, entre um cigarro e outro, expunha seus pontos de vista sobre a Literatura Infantil e Juvenil, a importância da ilustração e, acima de tudo, sobre a necessidade de não se dirigir às crianças com trejeitos infantilóides e fingidos. O universo cultural da criança é extremamente rico e tratá-la num livro como se ela fosse um animal incapaz de raciocinar e sonhar é o que há de mais nefasto para sua formação literária nas fases subsequentes da vida.


Abrindo um canal para o diálogo entre o Direito e as Letras


Naquela época, 2017, estava dando início a uma publicação editorial – “Revista PUB Diálogos Interdisciplinares” – voltada à difusão da produção cultural e artística dos associados do IBAP e da APRODAB. Contei ao professor Nicolau que planejava realizar um primeiro encontro nacional voltado ao diálogo entre o Direito e as Letras, sobretudo sob a perspectiva da Ecologia. No mesmo momento, ele propôs que realizássemos o evento no auditório do Centro Universitário Maria Antônia da USP, ou seja, no histórico prédio que abrigou a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP (hoje FFLCH) nos idos de 1968. Explicou-me que ele era à época diretor daquele Centro Universitário e que bastaria procurarmos uma data disponível na agenda para que o evento ocorresse ali.


Assim, Nicolau Gregorin, Fernanda Menna (Juíza de Direito e Professora de Direito Ambiental), Danilo Tavares e eu montamos uma comissão executiva e demos início aos trabalhos.


No dia 8 de novembro de 2017, dávamos início ao evento que, literalmente, mudou os rumos do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública. Era o 21º Congresso Brasileiro de Advocacia Pública, mas em lugar de enfadonhas exposições técnicas sobre questiúnculas processuais e administrativas, nós, do mundo jurídico, estávamos conversando com artistas do mundo da Literatura, professores da FFLCH e da FAU-USP.

O título do evento, por sugestão do professor Gregorin, ficou sendo: "As letras e a lei” – Congresso em homenagem ao escritor Ignácio de Loyola Brandão. Na abertura, tivemos a bonita apresentação musical das crianças da “Escola de Choro e Cidadania Luizinho 7 Cordas”. Em seguida, o professor Nicolau Gregorin abriu oficialmente o evento, na condição de anfitrião. A mesa contou ainda com a representação do vice-presidente do IBAP, da presidenta da Associação Juízes para a Democracia e do coordenador geral da APRODAB (que à época era eu).


Não tenho dúvida que foram as portas abertas por Nicolau Gregorin que levaram um escritor do porte de Márcio Souza (autor de “Galvez Imperador do Acre” e “Mad Maria”, dentre outros) a aceitar o convite para a palestra inaugural, deslocando-se de Manaus a São Paulo apenas para essa finalidade. Afinal, Márcio havia estudado naquele prédio da USP na década de 60.


No dia 9/11, tive o privilégio de compartilhar a mesa de debates com o professor Nicolau. O meu tema foi “Ecocrítica Literária – Direito Ambiental e Ficção” e o dele, “Meio Ambiente e escola: a questão literária”.


O encerramento do congresso, como não poderia deixar de ser, ficou a cargo do homenageado, o escritor Ignácio de Loyola Brandão, que dois anos mais tarde seria indicado para integrar a Academia Brasileira de Letras. Desse imortal militante da causa ecológica, aliás, é o livro “O homem que espalhou o deserto”, belíssimo exemplo de literatura infantil voltada à educação ambiental.


As lições de Nicolau Gregorin aos membros do IBAP e da APRODAB possibilitaram um primeiro contato com as cosmogonias dos povos originários brasileiros. Obras como “O pássaro encantado”, de Eliane Potiguara (ilustrações de Aline Abreu), “Tekoa: conhecendo uma aldeia indígena”, de Olívio Jekupé (ilustrações de Maurício Negro), “Outras histórias indígenas de origem das coisas e do universo”, de Daniel Munduruku (ilustrações de Maurício Negro) ou “A boca da noite”, de Cristino Wapichana (ilustrações de Graça Lima) constituíram a porta de entrada para o estabelecimento de relações com representantes dos povos originários. Basta lembrar que, em 21/8/2021, por ocasião do 25º Congresso Brasileiro de Advocacia Pública e dos 4ºs Diálogos Interdisciplinares sobre Letras e Direito, realizado virtualmente em razão da pandemia, tivemos uma mesa especialmente reservada para debate do tema “Literatura dos Povos Originários”, com a participação do escritor Daniel Munduruku.


Licenciado em Português e Inglês, Mestre e Doutor em Linguística e Língua Portuguesa pela UNESP, José Nicolau Gregorin Filho era professor da Área de Literatura Infantil e Juvenil do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas e do Programa de Pós-Graduação em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa; foi Assessor Técnico de Gabinete da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária. Atuou como professor colaborador do Programa de Pós-graduação em Estudos Literários da Universidade do Estado do Mato Grosso (UNEMAT). Foi professor e orientador do Programa de Mestrado Profissional em Letras (PROFLETRAS) em Rede Nacional. Foi Vice-Diretor e Diretor da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin e do Centro Universitário Maria Antonia, ambos da USP. Foi Assessor do Núcleo Técnico de Currículo (Salas e Espaços de Leitura) da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo na produção de material pedagógico. Sua pesquisa encontra-se na Grande Área de Linguística, Letras e Artes e concentra-se no ensino e na pesquisa de Leitura, Literatura Infantil e Juvenil, Estudos Comparados de Literatura, Cultura e Sociedade. Era membro permanente do Grupo de Trabalho Leitura e Literatura Infantil e Juvenil da ANPOLL.


Faço minhas as palavras da amiga e professora de Literatura Portuguesa da USP, Dra. Marlise Bridi: "Minha sentidíssima homenagem a José Nicolau Gregorin Filho, querido amigo! Muito cedo, meu amigo".

 

Guilherme José Purvin de Figueiredo é Professor de Direito Ambiental, Procurador do Estado/SP Aposentado, ex-presidente do IBAP e da APRODAB. Mestre e Doutor em Direito pela USP. Autor de "Curso de Direito Ambiental", 6ª Ed. e "A Propriedade no Direito Ambiental", 4ª Ed., ambos editados pela RT.

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