- Guilherme Purvin -
Os quase três meses, os dez membros da Comissão Julgadora do Concurso Mary Shelley de Contos, organizado pelo IBAP por meio de sua Revista PUB - Diálogos Interdisciplinares, não foram suficientes para se chegar a um consenso entre os dez membros da comissão sobre qual seria o melhor deles. A solução foi selecionar todos os contos que tivessem figurado entre os três primeiros lugares por parte de ao menos um avaliador. Ao final deste cômputo, verificou-se que apenas 17 desses contos satisfaziam esta condição e que, coincidentemente, numa soma simples das notas aplicadas pelos avaliadores, eram também os contos mais bem avaliados. O conto "Foda" está nesse rol e sua autora é Nicole Ayres Luz, professora de Francês da Aliança Francesa, no Rio de Janeiro, que soube do concurso Mary Shelley por indicação de uma amiga.
Nicole não tem ideia do que sejam os Advogados Públicos e, desta maneira, não sabe dizer qual a relação entre a Advocacia Pública e a situação no Brasil contemporâneo. À pergunta sobre o que pensa acerca do processo jurídico-político que culminou com a atual situação no país, ela afirma que não saberia comentar sobe o processo jurídico, mas lamenta "pela situação de total despreparo e descaso dos nossos governantes. É um governo, inclusive, inimigo da arte e da educação, o que é muito triste – e grave".
A autora de "Foda" acredita num potencial da Literatura para a transformação da sociedade: "A arte em geral contribui para o pensamento crítico, para (re)pensar as questões de cada época; é algo que nos toca, nos provoca e nos modifica e nós somos os agentes de mudança. A arte tem uma natureza subversiva, nos tira do lugar comum e nos faz perceber e questionar o mundo. É sutil, mas pode ser eficaz como instrumento de luta sim, especialmente porque a arte liberta e a partir dela várias discussões são abertas, então ela pode proporcionar um diálogo interessante. Citando Mário Quintana: 'Os livros não mudam o mundo, quem muda o mundo são as pessoas. Os livros só mudam as pessoas'”. Ela acredita que a literatura pode ser engajada, mas não tem essa obrigação: "ela deve ser livre".
Nicole comenta ainda a relevância do subgênero da ficção científica: "A ficção científica costuma ser bastante crítica da tecnologia e da sociedade. Mesmo que imaginemos um futuro distópico, por exemplo, estamos partindo de algo que já acontece hoje. E isso nos faz refletir: será que vamos chegar a esse ponto? Como podemos evitar isso? Questões cotidianas que talvez passem despercebidas ficam mais evidentes numa obra ficcional".
Foda
Nicole Ayres Cruz
Ela fode gostoso. Fode como uma puta. Olho seu corpo nu, enrolado no lençol. Carne boa. Queria repetir.
— Agora não. — ela se afasta. Veste as roupas. Está sempre séria.
Até na hora da foda, é séria.
— Você é muito séria.
— Sou como devo ser.
Observo-a se vestir. Não é de falar muito. Mas queria retê-la mais um pouco. Então, digo a primeira coisa que me vem à cabeça, um pensamento repetido:
— Você fode como uma puta.
Ela não parece se importar. Ignora o comentário e continua se vestindo. Roupas sóbrias, pouco femininas. Nada de maquiagem. Prática e desapegada, é seu estilo.
— Ouviu o que eu disse?
— Tenho que ir.
— Você está sempre com pressa.
— É o movimento. Exige muito de mim.
Me espreguiço e rolo na cama. Olho pra ela, já vestida, de pé. Dona de si.
— Alguém sabe sobre mim?
— E por que deveria saber?
— Sei lá. Você não comenta nada com seus amigos? Quer dizer, você tem amigos?
— Quem ainda tem amigos? Você tem?
— Briguei com todos. ...................................
Agende: 23º Congresso Brasileiro de Advocacia Pública - III Diálogos Interdisciplinares Letras & Direito - São Paulo/SP, dias 28 e 29.11.2019, das 9h às 18h. Serão conferidos certificados aos interessados. Leia aqui a programação e inscreva-se através do e-mail secretaria.ibap@gmail.com.
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