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Paraense é um dos autores de "Brasil 2029: Contos Góticos e Pós Apocalípticos"

- Guilherme Purvin -


Vanilson Rodrigues Fernandes é autor do conto "A social rede" e participará de Roda de Conversa na manhã do dia 29 de novembro, em evento integrante dos "III Diálogos Interdisciplinares - Letras e Direito" e do 23º Congresso Brasileiro de Advocacia Pública.

No final do ano de 2018, logo após o encerramento dos II Diálogos Interdisciplinares, realizados nas dependências da Escola dos Magistrados do TRF da 3ª Região, logo após uma mesa de debates sobre Literatura e Direito na qual se debateu intensamente a relevância de criações que se revelaram quase proféticas: Frankenstein, de Mary Shelley; 1984, de George Orwell; Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley; e, no Brasil, Não verás país nenhum, de Ignácio de Loyola Brandão, escritor que, por sinal, havia sido o grande homenageado pelo IBAP no ano de 2017, por ocasião do seu 21º Congresso. O destino da Constituição de 1988 e de todas as conquistas socioambientais que ela trazia pareciam correr um risco enorme. Mas, enquanto apenas juristas, não dispúnhamos de elementos ou mesmo de liberdade para buscarmos a compreensão exata do que acabava de ocorrer no país e de quais seriam as prováveis consequências desta nova realidade política para todos os brasileiros. Surgiu então a ideia de criação de um concurso de contos aberto aos associados do IBAP e, também, para não associados — afinal, o que objetivávamos era a produção cultural voltada à reflexão sobre o futuro do Brasil. Dentre os dezessete contistas vencedores do certame literário está Vanilson Rodrigues, autor do conto “A social rede”.


Vanilson tomou conhecimento do concurso Mary Shelley por um amigo seu que é procurador do estado do Pará e que o avisou porque sabia que ele gosta de escrever contos e tem interesse na interface entre o Direito e a Literatura.


Único contista participante do concurso que reside na Região Norte, Vanilson é um tanto cético a respeito do poder da literatura de ajudar a modificar a situação política do país, mas crê que sua principal função é "colocar o dedo na ferida", suscitar reflexão e debate, mexer com as pessoas. Para ele, isso é o mais importante na literatura. Especificamente no que diz respeito ao subgênero "ficção científica", afirma:


"Se de algum modo, temendo um mundo apocalíptico descrito em uma obra de ficção, as pessoas refletiram e passaram a intervir politicamente para que esse mundo (NÃO) acontecesse já é muita coisa. Mas tenho minhas reservas sobre esse poder da literatura. Causar reflexão já é um bom começo, para mim".


Vanilson acredita em todo tipo de literatura, "desde a politicamente engajada até aquela 'sem compromisso' político. Creio que dar uma função à literatura, de certo modo, já é aprisioná-la. Isto é, pode haver engajamento sim, mas a literatura pode ser também despretensiosa".


Sendo um dos poucos finalistas do concurso com atuação na área jurídica, Vanilson sabe "bem o que fazem os advogados públicos" (sic):


“Advogam judicial e extrajudicialmente para as pessoas jurídicas de Direito Público Interno (União, Estados, Municípios, suas autarquias e fundações)”.


Pergunto ao contista se ele consegue vislumbrar alguma relação entre a Advocacia Pública e a situação do Brasil contemporâneo. Ele responde:


"Boa parte do Judiciário está abarrotado de processos devido a litigiosidade das pessoas jurídicas de Direito Público. e, nesse sentido os advogados públicos poderiam fazer muito para minorar o excesso de litigiosidade no país, como por exemplo evitando interpor recursos de matérias já pacificadas no tribunais superiores. Isso melhoraria a Justiça e daria mais efetividade ao Judiciário".


Intrigado com uma observação tão típica acerca da atuação forense dos Procuradores do Município e do Estado e dos Advogados da União, dou um "google" para descobrir em que área atua e descubro que ele é Juiz do Trabalho da 8ª Região.


E como um jurista paraense que atua diariamente na aplicação da justiça social e que, em seu horário livre, dedica-se à literatura, estaria sentindo o processo jurídico e político que culminou com a atual situação no país? Vanilson responde:


"Eu creio que temos uma sociedade extremamente desigual, uma elite que não pensa no país, mas somente quer manter seus privilégios e de outro lado um grupo jurídico-político que conheceu muito bem as insatisfação das ruas (junho de 2013) e se juntou a esse elite para chegar ao poder. Ou seja, a elite econômica, junto com uma elite jurídica se juntaram em nome do pseudo cidadão de bem. O resultado é o que vemos: o desmonte do Estado por uma lado, o capital avança sem amarras (vide reforma trabalhista e Lei da liberdade econômica) e por outro lado, a elite jurídica tenta emplacar uma perseguição normativa (lei anticrime). Com isso, sinceramente, não sei onde vamos parar".


E conclui, de certa forma relativizando o que havia dito no início da entrevista:


"Talvez, só a arte e a literatura em especial para nos salvar..."


Leia a seguir os primeiros parágrafos do conto premiado "A Social Rede", que integra a coletânea Brasil 2029: Contos Góticos e Pós Apocalipticos":

 

A SOCIAL REDE


Vanilson Rodrigues Fernandes


Perfilado, André cantava o hino com um olhar perdido. O celular era proibido na escola. O mercado negro sempre se estabelece. Nil cobrava vinte reais pelo uso. Aquele era o grande dia. Não via a hora de o recreio chegar. Pátria amada, Brasil, para si, virou puta que pariu. Todos às suas salas.

Deu a descarga, entrou. Muitas fotos, vídeos e felicitações estavam lá. Faltavam algumas pessoas. Era cedo ainda. Encaminhou mensagem para todos os contatos. Postou uma foto com os dentes arreganhados revelando um ar de incontida felicidade. Evitou mostrar detalhes do banheiro.

Um leve torpor tomou-lhe conta do corpo. Era sempre assim quando voltava a navegar, após passar muito tempo desconectado. O êxtase foi quebrado por fortes batidas na porta. Demorou demais. Se o sargento te pegar, o celular é teu, não me fode. Nil sabia convencer as pessoas do que queria. Enfiou o aparelho o mais profundo que pode.

A mãe recebeu o último aviso. Nova indisciplina e seria a expulsão.

O pior, ainda teria que pagar pelo celular apreendido. Mas a ânsia de chegar ao seu quarto, sem precisar assistir às últimas aulas de moral e cívica, conferia ao seu rosto um quê de ironia. Queria logo estar em seu bunker, onde o mundo acontecia. Antes, a mãe. Logo hoje, André, no seu aniversário.

Ouviu tudo calado.

Uma tela enorme dominava o centro do quarto. O teclado portátil

estava sempre à mão. Três celulares. Jogou-se na cama e se conectou.

Saiu de si para viajar, papear, curtir fotos e comentários, postar.... Aquilo era melhor que bala. Era viver muitas vidas em uma só. Era estar em todos os lugares, sem estar em nenhum. ...................................


 

Agende: 23º Congresso Brasileiro de Advocacia Pública - III Diálogos Interdisciplinares Letras & Direito - São Paulo/SP, dias 28 e 29.11.2019, das 9h às 18h. Serão conferidos certificados aos interessados. Leia aqui a programação e inscreva-se através do e-mail secretaria.ibap@gmail.com.


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