-JÚLIO CÉSAR SUZUKI-
A modernidade estabeleceu a mediação entre as sociedades e a natureza de maneira completamente distinta do que havia se realizado nas sociedades humanas até então, tendo em vista que as tecnologias constituídas com as novas descobertas científicas, aceleraram a velocidade dos processos produtivos, bem como o encurtamento da ciclo de reprodução ampliada do capital, permitindo a intensificação dos impactos ambientais negativos por conta da elevada apropriação dos recursos naturais para dar conta de novos padrões de consumo, sobretudo nas sociedades mais tecnificadas, o que se consolidou após a revolução industrial e, partircularmente, com a revolução tecnológica após o final da Segunda Guerra Mundial.
Houve, ainda, com a modernidade, o aproveitamento de algumas tecnologias mais antigas, com a sua difusão a partir das viagens ultramarinas que propiciaram o encurtamente espaço-temporal entre os espaços da Terra, conforme aponta David Harvey (1993), em seu importante debate acerca da condição pós-moderna, cuja análise se fundamenta nos conceitos de simulacro e de compressão espaço-temporal, relacionados à transição progressiva da produção fordista em direção à produção flexível.
Contrário ao movimento de conhecimentos produzidos sobre a matéria e seus usos potenciais, os empresários optaram pelo caminho da limitação temporal de utilização dos equipamentos, a obsolescência programada, conforme Bruna Ferreira (2017, p.11), definida como:
“[...] prática muito utilizada pelos fornecedores [que] consiste na redução proposital da vida útil do bem de consumo, ao mesmo tempo, deixando de fomentar no mercado peças de reposição, ou ainda, embutir na mente do consumidor a necessidade de comprar um produto novo, ainda que aquele que o consumidor possua esteja em perfeito estado”.
A partir da compreensão de Bruna Ferreira (2017), é possível estabelecer relação com alguns aspectos importantes das práticas de consumo presentes na contemporaneidade: redução do tempo útil dos bens e ampliação do potencial social do marketing.
Até o final do terceiro quartel do século XX, ainda era muito comum os empresários se vangloriarem da qualidade dos seus produtos que poderiam durar vários anos ou, até mesmo, décadas, como era o caso de fogões e geladeiras, sendo, como comprovação desta compreensão, comum encontrar, em uso, utensílios domésticos deste período em residências de pessoas que gostam da estética deste período, com atualização do design destes equipamentos, como pintura nova ou plastificação com coloração fosca.
No entanto, atualmente, é quase incomum encontrar equipamentos domésticos, como lavadoras de roupa, que durem mais de uma década; ainda que as geladeiras e fogões sejam um pouco mais resistentes, com exceção da lataria que se danifica muito rapidamente, por conta da umidade, danos físicos ou ação de animais, como urina de cachorros. Este é o procedimento que se explica pela atitude dos empresários em reduzir o tempo útil dos equipamentos para obrigar os consumidores a realizar sua substituição.
Um outro exemplo muito comum, ainda neste sentido, é o da atualização constante de programas de computadores e de celulares, o que obriga a que os usuários optem pela aquisição de novo equipamento para manter a conexão à rede, já que os anteriores podem, inclusive, não abrir, como acontece com versões antigas do Windows, sendo que um outro agravante é a perda de velocidade no uso da internet, causando extrema insatisfação do usuário que só enxerga o caminho da substituição do equipamento.
Complementar à atitude de redução do tempo útil dos utensílios, houve, concomitantemente, avanços importantes na ciência do marketing, tratando a estética dos produtos como foco fundamental da atividade comercial, diferente de uma posição de valorização da qualidade do produto, como era o sentido prioritário até o final do terceiro quartel do século XX.
Assim, de forma contundente, a obsolescência programada se constitui em característica definidora das sociedades contemporâneas que alcançaram significativo padrão tecnológico em que se pode identificá-las, sobretudo, por seu alto nível de urbanização. No entanto, conforme salientou Bruna Ferreira (2017), sem haver garantias para o consumidor dos limites cronológicos de uso dos equipamentos, o que é reconhecido como uma vulnerabilidade legal no que concerne ao direito do consumidor.
REFERÊNCIAS
FERREIRA, Bruna. Obsolescência programada à luz do princípio da vulnerabilidade. 2017. 67f. Monografia (Bacharelado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2017.
HARVEY, David. A condição pós-moderna; uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. Tradução de Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves. 2.ed. São Paulo: Loyola, 1992.
JULIO CESAR SUZUKI - Professor Doutor junto ao Departamento de Geografia/FFLCH/USP e Orientador e docente do Programa de Pós-graduação em Integração da América Latina (PROLAM/USP).
Parabéns amigo Dr. Júlio! Excelente a sua matéria.
Muito interessante o artigo, parabens! permitam apenas uma observação: há uma diferença na estratégia de consumo de produtos que consomem energia (carro, liquidificador, maquina de lavar) e produtos que não consomem energia ( cadeira, óculos, sanduíche). Os primeiros causam maior impacto se forem ineficientes, ou seja, precisam ser substituídos sob pena de consumirem mais energia ao longo da vida do produto, este impacto costuma ser enorme... É claro que a indústria não lança carros novos porque são mais economicos, mas está deveria ser a única razar.
Tem um livro que cita isso, do Michael Ashby.