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ALONSO!

Atualizado: 5 de dez. de 2023

- Rui Guimarães Vianna -


Cícero Silveira Vianna com seus filhos. Arquivo pessoal do autor.

-Alonso!


-Ovalle, Negrette, Matadero-Palma!


O mantra se repetia em várias das ligações telefônicas entre meu pai e eu. A frase, aparentemente desconexa, tinha origem em uma linha de ônibus da (então) periferia de Santiago, no Chile, e esses eram os nomes dos bairros por onde o ônibus passava.


A brincadeira começou com um trocadilho do ”Alô”, e seguiu por anos. Nessa cidade meu pai viveu por alguns anos, graças aos militares brasileiros.


Explico.


Meu pai, Cícero Silveira Vianna, foi militante e dirigente do PCB, nos anos que antecederam ao Golpe de 1964, também conhecido como “A Redentora”.


Depois, desligou-se do Partido e passou a integrar a ALN, Aliança Libertadora Nacional, juntamente com Carlos Marighella, ora famoso pelo lançamento do filme dirigido por Wagner Moura, mas nunca esquecido, e também do ora tristemente famoso Aloysio Nunes Ferreira, que já merecia estar esquecido de há muito, entre vários outros personagens ilustres que, infelizmente, já não estão aqui para dar seu testemunho.


Opuseram-se ao regime da forma como conta a história, hoje revisitada. Por isso, em 1969, quando da edição do Ato Institucional número 05, foi obrigado a sair do país, deixando para trás a família e além dela, um cargo de procurador da Rede Ferroviária Federal, que teve cassado por decreto, seus companheiros e seus livros. Mais ou menos como agora fizeram o deputado Jean Willys e a candidata pelo PSL a deputada Cleuzenir Barbosa, que denunciou o laranjal dos Bozos.


Essa breve introdução pretende apenas ilustrar como, por suas convicções ideológicas (palavra perigosa essa, nesses dias sombrios!) e políticas, meu pai foi perseguido, cassado e caçado, por um governo militar.


E, por essas mesmas convicções foi obrigado a abrir mão do convívio de toda sua numerosa família e asilar-se inicialmente no Uruguai, posteriormente no Chile, sob os auspícios do governo socialista de Salvador Allende, onde permaneceu até o golpe militar que vitimou não só o próprio Allende, como a democracia e o povo chilenos. De lá rumou para a Suécia e depois Portugal, de onde retornou ao Brasil em 1979, para aqui ficar até sua morte em 2012.


"...minhas diferenças com militares vêm de tenra idade, e estão indissoluvelmente enraizadas em minha personalidade..."

Feita a introdução, vou ao assunto. Por uma questão de coerência, nunca gostei de militares. Foram eles que tiraram meu pai de mim, dos meus irmãos e do resto da família, causando enormes transtornos em nossas vidas. Ressalto que, antes que algum apressado venha cobrar crimes cometidos por meu saudoso pai, ele nunca se envolveu em qualquer ação armada empreendida pela ALN, por discordar frontalmente de tal prática. Crimes de consciência jamais contaram em democracias.


Dito isto, minhas diferenças com militares vêm de tenra idade, e estão indissoluvelmente enraizadas em minha personalidade. Sem, contudo, transformarem-se em temeridade. Vai daí que o presente momento e os que precederam a eleição da famiglia Bozo despertaram em mim o amargor. Sim, o amargor de antecipar e vivenciar a experiência de viver novamente sob um regime militar.


E nem poderia ser diferente. O que vemos no cenário político atual, com um gabinete militar e um vice-presidente também, determinando os rumos de nossa quase inexistente democracia, é desesperador. Se pareço exagerado, talvez devêssemos analisar vários fatos .


Recentemente, quando da decisão liminar proferida pelo Ministro Marco Aurélio Mello, do STF, que determinaria a libertação de Lula, causou um verdadeiro cataclismo entre os... exatamente, militares! Como deram conta às notícias à época, 18.12.2018, o Estado Maior das Forças Armadas reuniu-se para decidir o que deveria ser feito se esse perigosíssimo acontecimento se materializasse.


Qual consideração deve ser feita, a partir deste fato? Nossas instituições estão sendo tuteladas pelas Forças Armadas? Deveriam? Clama minha avó Magdalena, do fundo de sua tumba: Onde estamos?

"Será que, em algum dia no futuro, inventarei um novo trajeto de ônibus para que o utilizemos, eu e meus filhos, nas nossas ligações telefônicas?"

Não podemos esquecer-nos da frase já tristemente famosa proferida pelo pimpolho 03 (ou será 02?) Dudu Bolsonaro em 21.10.2018, sobre o que seria necessário para o fechamento da Corte Suprema brasileira, algo ligado a um cabo e um soldado.


Temos ainda o presidente desta mesma instituição tão mal tratada, afirmando em convescote promovido para divertir seus entediados membros, que a já referida “Redentora” não teria sido um golpe militar, e sim um movimento, ao mesmo tempo em que nomeava um general para cuidar de seu gabinete. Ou seria para proferir as decisões a que estaria afeito na presidência que deveria exercer?


A verdade é que, de lá para cá, vemos cada vez mais claramente a influência direta dos militares não só no STF como em diversas outras instituições do país. E isso não pode ser bom.


Devemos ainda ressaltar as diversas intervenções do vice decorativo, antes das eleições, onde mostrou claramente sua face retrógrada e truculenta, distribuindo absurdos históricos, sociológicos e políticos, e devemos pôr os dois pés atrás com as atuais colocações oportunistas, que visam exclusivamente descolar sua imagem do titular aloprado e boçal. A face estrategista do General vice decorativo Mourão.


O gosto amargo que sinto prenuncia vários dissabores e crises hepáticas no futuro, sem que sequer toquemos em assuntos relativos às pastas civis (poucas) comandadas por lunáticos e estafermos de todos os gêneros, como a maluca da goiabeira, o chanceler de araque e o colombiano, ou os mais sérios e perigosos da área econômica, dirigindo o país diretamente ao abismo social e à destruição e aniquilamento da população desfavorecida em favor de uma elite tacanha cujo sonho maior na vida é ir morar em Maiami.


Com isso, retorno um pouco às doces lembranças do convívio de meu pai, ao retornar ao Brasil e ao seio de sua tão querida família, seus hábitos, como a caipirinha e a feijoada e dias ensolarados, apagando um pouco de suas sofridas memórias. E aos seus famosos almoços dominicais reunindo, às vezes, até trinta pessoas em seu apartamento na rua Augusta, comandados por ele mesmo no fogão com maestria.


Quanto à sua epopeia, na saída quase cinematográfica do Brasil, fica para uma próxima ocasião. Só sei que hoje sinto muita falta de ouvir do outro lado do telefone: Ovalle Negrette Matadero-Palma, assim mesmo, sem vírgulas. E me questiono: Será que, em algum dia no futuro, inventarei um novo trajeto de ônibus para que o utilizemos, eu e meus filhos, nas nossas ligações telefônicas? Alonso!


 

Rui Guimarães Vianna - Aposentado, é torcedor do Santos F.C.




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