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Canal Livre, onde a comunicação empaca

Atualizado: 5 de dez. de 2023

- Luiz Roberto Alves -


Esse programa da chamada grande mídia é um acabado exemplo de linguagem atropelada. E quando entrevista um ministro falastrão, como o Sr. Ricardo Salles, do Meio Ambiente, seu processo de significação beira a zero. É o que se deu na noite do dia 4, segunda-feira. Vejamos.


Existe um modelo básico de discurso no programa citado, que se pode chamar de superfície, isto é, está proibido fazer qualquer aprofundamento. Quando o infeliz entrevistado (em qualquer dia) toma a palavra com intenção de sistematizar novos dados e sobre eles refletir, algum entrevistador, num estranho rodízio, toma a palavra para desviar o ponto de significação em favor de outro, de modo que todos os pontos do objeto tratado fiquem na superfície. Proíbe-se qualquer aprofundamento, exceto se alguém puder fazê-lo nos entrecortados 2 minutos, como nas respostas eleitorais.


No caso de segunda-feira, tudo se casou bem, porque o Sr. Salles não tem qualquer acúmulo para pensar meio ambiente como leitura de mundo e, portanto, limita-se a repetir tópicos talvez ouvidos de especialistas do ministério sobre assuntos diversos, embora o foco tenha sido a condição das barragens e as responsabilidades público-privadas na sucessão dos crimes (palavra minha) de Mariana a Brumadinho. O ministro não se afastou uma única vez de cacoetes discursivos e frases feitas, como o mal do politicamente correto (sem explicação ou localização concreta), a ação objetiva (que se oporia ao assembleísmo) e à ação serena, mesmo diante de grandes acidentes criminosos, chamados sistematicamente de tragédias para garantir uma solução de algum modo metafísica.


Este senhor, jovem, na função de ministro, pensa que plantação de milho é algo muito ligeiro e pouco importante para ser fiscalizado, pois o poder público deve ater-se aos casos de grande complexidade. Mas não lhe vem à cabeça que a roça de milho possa ser resultado de ações de grilagem sobre terra indígena com o custo de alguns mortos. Aí, novamente ele se encalacra em frases de efeito, sempre de baixo nível de informação e, pior, frases tópicas, de conexão rarefeita.


Salles sempre diz para si, por isso não diz, como seria num processo argumentativo que deseja comunicar ou construir-se com o outro. Concordo que essa imagem é freireana e deve horrorizá-lo. Tudo nele se basta num conjunto de sentenças que serve para qualquer entrevista e para qualquer tema, de forte vínculo ideológico, pois ataca supostas ideologias também não localizadas.


Doutro lado, lhe é suposto que o voto ou a nomeação garante todo o direito a uma ação objetiva e certeira, sem consultas à fonte do poder na sociedade democrática. Para embaralhar ainda mais seu pensamento, já organizado para o gasto pessoal e não para encontrar o "outro" (o que piora pela vaidade e pela navegação de superfície dos perguntadores) o ministro se arma de adornos nominais como tecnicalidade, regulação, premissa, assembleísmo etc. Tais vocábulos, se fossem encarnados em fenômenos do processo de construção de política pública ou social, poderiam fazer-se significativos. Mas como servem para atacar um inimigo ausente ou uma ação ainda não pensada, se perdem naquele grau zero de sentidos.


Uma entrevista do senhor Salles, independentemente do seu tempo, corre, sistematicamente, o risco de nada significar. Será que ele ainda muda?

 

Luiz Roberto Alves é Professor da ECA/USP.

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