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RÉQUIEM PARA BELCHIOR - 20/04/2019

Atualizado: 5 de dez. de 2023


-CLAUDIO CARVALHO-


Depois de dois anos do desaparecimento da presença física de Belchior, disco a disco, volto a escutá-lo. Respeitando o tempo da lembrança e do luto, da tristeza e das desesperanças, os LPs começam a ser liberados do seu período recluso... Dois anos nos quais a voz registrada nos discos não mudou, mas meu mundo sim.


Quando comecei a atentar mais para a música brasileira, me descobri como mais um pertencente à geração que conhecia o “bardo” não só como um homem mais velho, que cantava as coisas da juventude, como também me era conhecida a narrativa que já dava conta do seu desaparecimento. Meus vinte anos, selvagens, velozes e urgentes contrastavam com os mais que dobrados, na verdade triplicados, vinte anos de Belchior.


Uma certa conformidade, ainda assim, era possível. A narrativa do desaparecimento era coerente e consonante; cansado da “alucinação do dia-a-dia” e desgastado pelas delirantes coisas reais, Belchior se recolhia e se furtava da sociedade que tanto criticou. Há justiça nisso, visto que sua arte, por mais que midiatizada e mercantilizada, ainda assim não podia ser cantada sem ferir a louca e hipócrita sociedade que rodeia.


Porém, no fundo, resistia uma esperança em um dia vê-lo. O ilustre conterrâneo, o autor das liras dos nossos vinte anos. Tributos, homenagens e aniversários de Belchior se revezavam nos calendários de shows em Fortaleza, e ainda assim, eu presente e ele ausente.


Quando soube da partida do rapaz, algo dentro de mim que se perdeu. Se quebrava ali, avassaladoramente, a última esperança de ver com os próprios olhos a força viva e rebelde dos cabelos longos e bigodes fartos. Dali pra frente, escutar Belchior iria dizer, como ainda diz, respeito a um ato de solitário de saudades; de encontros e juventudes que nunca se encontrarão.


Foi, creio, nas esperanças e desesperanças, politicas, amorosas e sociais, que nossos caminhos, de todos nós, se cruzaram. Foi na sede da juventude, na resistência insurgente, na avassaladora rebeldia e nos corações selvagens que Belchior fez sua obra e seu monumento que continuam no (meu) presente.


O tempo passou, mexeu com a gente, sim, com o mundo e com a política, e os punhais de amores traídos e os inimigos saltaram das linhas das canções para a realidade alucinante que o poeta rebelde profetizara. De fato, ao vivo é muito pior. O mundo, ao que tudo indica, continua a querer nos atirar, os sinais continuam fechados e a força continua a assustar e imperar fazendo o mal que a força sempre faz. E aí, analista, como vou ser feliz desse jeito?

Ocorre, porém, que tudo isso agora sem Belchior.

Há, contudo, que se dizer que mesmo ausente sua presença é continua.


Seu recolhimento físico, hoje, é apenas mais profundo.


Passado dois anos, Belchior ainda me parece um parente distante de quem conheço histórias, mas que nunca encontrei. Ainda me é, por diversas vezes, um ombro amigo nos momentos difíceis, que me aconselha a não deixar meu cigarro se apagar pela tristeza, e, outras vezes, a companhia alegre que tem voltado a alegrar tardes e noites aos sons de toadas e ritmos conhecidos à exaustão.


Pois hoje sei que Belchior embalou meus medos e tensões, (basta olhar esse governo), como foi trilha, também, dos bons momentos com os amigos e amores, os beijos, abraços e cervejas achados entre canções e discos, nos quais Belchior também se fez presente.


Pois é, Bel... eis que chegou a morte, ou coisa parecida, e te arrastou, velho-eterno-moço...


De fato, tu viu muito da vida, de fato, ela não te foi leve... Mas como tu foi essencial pra tantas outras vidas.


Ironia essa do tempo, que fez com que nossos 20 anos não se encontrassem, com que tu tenha sumido no alvorecer da minha juventude.



De fato, meu amigo Bel, tu já dizia, ou melhor, alertava, pra essa faceta perversa do destino, da vida, que, em “Máquina 2”, definindo a vida como uma locomotiva selvagem e impiedosa, dona de uma engrenagem mecânica e repetitiva que insiste; Máquina, máquina, maquina, maquina, má, maquina, máquina, má.



 

Cláudio Carvalho é historiador, pesquisa a MPB e tem 25 anos de sonho, de sangue e de América do Sul.


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2 則留言


ibraimjrocha
ibraimjrocha
2019年5月01日

Belo texto

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Paulo Velten
Paulo Velten
2019年5月01日

Que massa, só a música e a cultura e capaz disso. Um desconhecido amar e chorar pelo outro, ainda que se conheçam intimamente.

Fico pensando aqui, como homenagens como essa chegam lá, do outro lado.

Parabéns pelo texto.

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