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CADERNO DE VIAGEM PELO BÁLTICO #2

Atualizado: 5 de dez. de 2023


-GUILHERME PURVIŅŠ-



Foto do autor - Manuscrito original de partitura de Chopin

Caminhar pelas ruas da cidade antiga de Varsóvia é uma experiência densa. Trata-se da capital de um país de personalidade forte, onde a Igreja Católica ainda consegue lotar de fiéis nas missas. E isso não só aos domingos. Não se vê ainda por aqui nada parecido com a IURD ou a Assembleia de Deus. A ausência de neopentecostais, porém, não impede a ascensão da extrema direita. A Igreja Católica por aqui é suficientemente reacionária e anticomunista para cumprir seu papel político.


Neste momento,  o presidente Andrzsej Duda planeja construir uma base territorial norte americana para agradar Donald Trump. Cutuca a onça com vara curta, sobretudo levando-se em conta a presença próxima da Rússia e da Alemanha. Mas não é possível esquecer que os maiores traumas da Polônia são esses dois vizinhos. O enclave de Kaliningrado faz divisa na região leste do Báltico.


Jair Bolsonaro foi orientado a elogiar este país em razão de seu alinhamento à direita. Por isso, caricatamente, alardeia sua simpatia pelo atual presidente polonês. No entanto, a comparação entre os dois países, Brasil e Polônia, não se sustenta cultural, religiosa ou geopoliticamente.


Esta é uma região do planeta que foi ocupada pelos nazistas e, depois, pelos soviéticos. A exemplo de Dresden, a cidade antiga de Varsóvia é um cenário, uma reconstituição perfeita realizada sobre os escombros de bombardeios e incêndios. Apesar disso, ainda assim é possível sentir a presença dos judeus exterminados pelo exército de Hitler. Nada resta dos muros do Gueto de Varsóvia - o único resquício ficaria dentro do quarteirão de um conjunto de prédios residenciais, sem acesso ao público.


O estrago causado pela presença da URSS após a 2ª Guerra é relembrado em cada canto, mas quase nada é dito sobre a Alemanha. A presença do povo judeu está na cultura da cidade, especialmente em sua culinária e, parece-me, na forma de pensar e agir da maioria da população: resiliência e confiança num futuro melhor.

Não há, por parte do atual governo, interesse em se relembrar a tragédia que se abateu no país durante o cerco nazista. Na conversa com o povo, sobressai o rancor para com a ocupação russa: o trauma é mais recente e durou mais tempo.


A língua polonesa é eslava. Consigo identificar pela pronúncia algumas palavras em razão de sua semelhança com o russo: ulica é rua; masło é manteiga; chleb é pão; doby dzień é bom dia; piwo é cerveja... Todas estas palavras são praticamente iguais ao russo. Quando faço este comentário linguístico com M., que me alugou o apartamento na Ulica Jezuitka, ela me responde em inglês: "Eu sei. Infelizmente fomos obrigados a aprender a falar aquela língua quando estávamos sob a cortina de ferro".


O irônico é que M. demonstra desprezo pela língua do país que mandou na Polônia por aproximadamente quarenta anos. Não se dá conta, porém, que está a falar em inglês, um idioma que nada tem a ver com as raízes culturais da Polônia. Aliás, ela tampouco demonstra discordância com a política de Andrzsej Duda. Ou, ao menos, tem medo de demonstrar.


Caminhar pela cidade antiga de Varsóvia nos faz lembrar de Roman Polanski e seu belíssimo filme "O pianista". Rumo ao Museu Chopin, o que vem à mente são as cenas das famílias sendo separadas e conduzidas a campos de concentração, dos alemães obrigando judeus a ostentar no braço uma faixa com uma estrela de cinco pontas como forma de identificação.


O Museu Fryderyk Chopin fica no Pałac Ostrogskich, um palácio na Ulica Tamka, prédio que não está relacionado com a vida de Chopin. Foi criado em 1935 por iniciativa de um grupo de 32 representantes das áreas da cultura e da política que deram início a uma coleção de manuscritos valiosos adquiridos de parentes do compositor, dentre os quais partituras e cartas pessoais. O museu conta ainda com uma coleção de fotografias e de gravações iniciada em 1939, esculturas, retratos e desenhos de Chopin e pianos antigos além de uma exposição multimídia.


Em cada esquina, salas de concerto apresentam recitais com obras de Chopin. Em Varsóvia, os sons de piano estão em todo lugar, como que para aliviar um pouco a dor causada permanentemente a um povo submetido aos horrores dos totalitarismos. 


Foto do autor - Museu Chopin

É triste ver que a História está sendo contada apenas pela metade. Mas no Brasil nem a metade é contada. Tudo é mentira. Nosso país nunca esteve sujeito a qualquer experiência que remotamente lembrasse dominação stalinista. Tampouco há como comparar a relação entre os governantes com seus respectivos países. A Polônia preserva seu patrimônio arquitetônico, restaurando prédios arruinados e sua polícia não sai matando as pessoas na rua. O Brasil destrói todos os prédios históricos e premia, exalta e incentiva assassinatos perpetrados por suas forças policiais. Governadores e Presidente da República agem como uma força de ocupação inimiga decidida a humilhar o povo do país invadido. Os poloneses elegeram um nome afinado com a direita europeia; os brasileiros, um tipo alinhado com o modelo de Idi Amin Dadá e com o Tonton Macoute.


Há, assim que se distinguir a fraqueza do discurso de Bolsonaro com o dos líderes de direita do antigo leste europeu. Se, aqui, pode haver uma base fática para se moldar a opinião pública, no Brasil o que vemos é uma comédia da pior espécie, alimentada pela ignorância de um povo simples hipnotizado por picaretas se aproveitando da ignorância e ingenuidade de quem outrora seguiu Antônio Conselheiro e montando milícias neopentecostais sob o olhar aprovador de uma classe média igualmente inculta e profundamente violenta.


Varsóvia, 28/4/2019


 

Guilherme Purvin é colunista voluntário da seção de turismo da Revista Pub.


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