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Fiesp, Havan, Veja (Saudades dos tempos da Panair)

Atualizado: 5 de dez. de 2023

- Guilherme Purvin -


"Descobri que minha arma

É o que a memória guarda dos tempos da Panair"



Eu devia ter 15 ou 16 anos quando ouvi pela primeira vez a canção Conversa de bar (ou Saudades dos aviões da Panair), na voz de Elis Regina. Gostei de cara da música. A letra, para mim, estudante secundarista, seria um poema saudosista de Fernando Brant, musicado pelo Milton Nascimento. Uma história que diria mais respeito aos tempos dos meus pais, em que havia uma empresa de aviação brasileira chamada Panair Brasil, que dominava o espaço aéreo, ligando várias cidades brasileiras e o país com o resto do planeta. Não tinha eu, naquela época, a menor ideia de que, por detrás daquela canção estava o relato de um dos primeiros assassinatos de pessoa jurídica perpetrados pela ditadura militar.


A Panair foi extinta por determinação do governo do General Humberto de Alencar Castelo Branco, em fevereiro de 1965. Seu sócio majoritário era Celso da Rocha Miranda, que dividia o controle acionário da companhia com o paulista Mário Wallace Simonsen (não confundir com o ministro da ditadura Mário Henrique Simonsen). Segundo o filho de Celso, Rodolfo da Rocha Miranda, o caso Panair foi o mais emblemático de pessoa jurídica perseguida pela ditadura:


"Eles não apenas fecharam a Panair de forma arbititrária e violenta, atingindo em cheio milhares de famílias, como fabricaram dados para incriminar seus acionistas e diretores, em atos de perseguição continuada que duraram anos".


Requerida concordata preventiva em razão do inesperado cancelamento de todas as concessões de voos, num momento em que não tinha nenhum título protestado e em que suas finanças estavam inteiramente saudáveis, seguiu-se a inevitável decretação de sua falência judicial. O descaramento do conluio da ditadura militar com as duas empresas aéreas beneficiárias da destruição da Panair Brasil era tamanho que, no dia seguinte ao famigerado telegrama comunicando o fim das concessões, a Varig passou a ocupar o lugar da concorrente, inaugurando em tempo recorde seu próprio voo para Paris.


Celso da Rocha Miranda e Mário Wallace Simonsen eram amigos dos ex-presidentes Juscelino Kubitschek e João Goulart. Mário, além de sócio da Panair Brasil, também era dono da TV Excelsior, que transmitia em São Paulo pelo Canal 9, competindo com a TV Tupi (Canal 4), ligada aos Diários Associados.


A TV Excelsior teve sua imagem arranhada no meio militar por não haver, em 1º de abril de 1964, mostrado as movimentações militares nas ruas. Quando suas matérias jornalísticas eram censuradas, não havia reedição do texto. Em seu lugar, aparecia a imagem dos mascotes da emissora com as bocas tapadas e a palavra CENSURADO, contrariando as determinações do Departamento de Polícia Federal, que não queria alardear suas intervenções.


Assim, o até então vitorioso capitalista Mário Wallace Simonsen foi chamado de comunista e aquela estação de TV, a única que fazia um contraponto à voz oficial da TV Tupi (numa época em que a TV Record - Canal 7 - ainda não havia decolado), também teve o mesmo fim que a Panair. Poucos sabem deste "detalhe", mas o primeiro "Festival de MPB da Record", na verdade, foi da TV Excelsior. Transmitido em 1965, o Festival foi produzido por Manoel Carlos e contou com 1290 canções inscritas e 36 finalistas. A final ocorreu no auditório da TV Excelsior, no Rio de Janeiro, em abril daquele ano e a vencedora foi "Arrastão", de Edu Lobo e Vinicius de Moraes, interpretada por Elis Regina. O juri contou com a participação dos concretistas Augusto de Campos e Décio Pignatari, além de Damiano Cozzella e Amilton Godoy. Convenientemente "apagado" da história da TV Brasileira na década de 1960, o famoso festival de 1966, que premiou os "empatados" Banda e Disparada, foi o segundo - agora sim produzido pela Record. A verdade é que, não fosse a hostilidade da ditadura militar para com a TV Excelsior, possivelmente não existiria a TV Globo. Em São Paulo, o "Canal 5" transmitia a programação de uma certa "TV Paulista", extinta em 1966.


A destruição da Panair Brasil teve como beneficiárias diretas duas outras empresas aéreas: a VARIG e a Cruzeiro do Sul, hoje também extintas. O dono da Cruzeiro do Sul, Bento Ribeiro Dantas, por sinal, era presidente da FIERJ e sua mulher, Eudóxia Ribeiro Dantas, foi uma das mais empenhadas organizadoras da Marcha da Família com Deus para a Liberdade. Em poucas palavras, era um homem da confiança da ditadura.


Seis anos antes do retorno da miséria absoluta às ruas das cidades brasileiras, cujo mais conspícuo emblema são as milhares de barracas de camping espalhadas por todas as capitais brasileiras, o que chamava a atenção de todos os que passassem diante de um moderno prédio na Avenida Paulista, à altura da Estação Trianon-MASP do metrô, eram algumas barracas diante de um enorme pato amarelo com os dizeres "Eu não vou pagar esse pato".


Por meses e meses, a FIESP de Paulo Skaff financiou tais ocupações paramilitares conclamando a população para mobilizar-se pelo impeachment de Dilma Roussef. Concluído o golpe parlamentar-midiático com a deposição da ex-presidenta (com o apoio decisivo de Bolsonaro e de Aécio Neves, dentre outros), a prisão de Lula (um show de heresias jurídicas e gramaticais chamado Lava-Jato), o empresariado não cessou de investir pesadamente no sepultamento da frágil democracia constitucional instaurada em 1988. As futuras gerações, se pesquisarem os arquivos da Veja e do Estadão, verão que a história da companhia de aviação Cruzeiro do Sul, de Bento Ribeiro Dantas não era tão diferente daquela das lojas do velho fantasiado de papagaio.


Nestes tempos sombrios em que, como na canção Desde que o Samba é Samba, de Caetano e Gil, tudo demora em ser tão ruim, aquilo que chamamos de Estado Brasileiro também quebrou a perna de inúmeras pessoas jurídicas e ameaça assassinar outras tantas empresas que se opõem aos desmandos da "Pátria Amada Brasil". A Rede Globo, sempre afável com o regime militar, estando no momento alinhada com o ex-ministro da Justiça e da Segurança Pública e agora desafeto do atual mandatário da nação, é ameaçada de ter o mesmo destino da TV Excelsior. A Odebrecht, que cresceu mamando nas tetas do governo e que, em 2014, contava com 214 mil empregados, viu esse número cair em 2017 para 48 mil. Ou seja, uma queda de 82% do quadro, desde a prisão de Marcelo Odebrecht. A gloriosa Petrobrás de Getúlio Vargas e Monteiro Lobato, uma das campeãs no quesito poluição ambiental que tanto agrada ao atual governo, por seu turno, quase foi levada a nocaute pela famigerada Lava Jato, que a pretexto de combater a corrupção, contribuiu decisivamente para eleger um quadro com os mais deploráveis nomes do fisiologismo e da improbidade no Congresso Nacional.


De acordo com Uallace Moreira, o combate à corrupção não poderia ter se dado da forma como foi feito pela Lava Jato: "Moreira compara a atuação da operação com outros países, como a Coreia do Sul, que condenou por corrupção neste ano o herdeiro e principal dirigente da Samsung, Lee Jae-yong, e não a companhia que, embora privada, serve a um projeto de desenvolvimento nacional" (Lava Jato tem responsabilidade na crise brasileira, pontua economista - Rede Brasil Atual).

O sonho de se transformar este país numa democracia capitalista forte e estável, que talvez tenha sido um dia acalentado pelo PT, é tão ingênuo quanto o de um esforçado trabalhador assalariado de ir morar num apartamento em New York ao lado do Central Park e ver a final do Palmeiras em Dubai. Bom, diante da vitória do Chelsea, ao menos a economia forçada não foi de todo frustrante para os palmeirenses sem recursos.


Abandone suas esperanças de participar de um fairplay dentro das regras da OMC e do liberalismo todo investidor que se encontrar num país que sustenta farsas como Sérgio Moro, aquele que destruiu algumas das mais importantes empresas brasileiras com a promessa de uma vaguinha no STF que acabou não vindo. Este nosso capitalismo capenga é mero laboratório de horrores do neoliberalismo internacional e casos como o da Panair e da TV Excelsior continuarão a se repetir. Não por outro motivo, a "chapa radical de esquerda" que se forma para as próximas eleições tem Geraldo Alckmin como possível vice.


Para mais informações sobre os tempos da Panair (que eram os tempos dos avós do velho da Havan), recomendo:


Guilherme Purvin - 16/2/2022

 

FIESP, Veja e Havan: Saudades dos Aviões da Panair (crônica) foi escrita por Guilherme Purvin, editor-chefe da Revista PUB - Diálogos Interdisciplinares, autor dos livros de contos "Laboratório de Manipulação", "Sambas & Polonaises" e "Virando o Ipiranga". Com Guian de Bastos, Guilherme escreveu também os romances "Batalha das Libélulas" e "Queda de Babilônia", dentre outros.



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3 Comments


Elizabeth Harkot De LaTaille
Elizabeth Harkot De LaTaille
Feb 19, 2022

Panair e TV Excelsior, que terrível história. História que se repete.


Quanto a Januário, continua a aventura de imaginações e rememorações. Como ele conhece até aquela pequena aldeia no leste polonês, pergunto-me se ele tem parentesco com o narrador de Memórias do Subterrâneo/do Subsolo (dependendo da tradução para o português), de Dostoiévski. Até agora sem traços da crueldade do russo, Januário se deixa levar por seus planos, suas respostas internas a frustrações, seus devaneios. Quero mais!

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Madeleine Hutyra
Madeleine Hutyra
Feb 19, 2022

Importante crítica histórica da destruição das empresas nacionais pela ditadura. Infelizmente, não valeu como lição a frase do jurista Saulo Ramos, segundo Daniel Leb Sasaki, "sempre é tempo de aprender e tentar entender melhor aquele período, para que algo como o que fizeram àquelas 5 mil famílias jamais se repita”. No retorno do Brasil a tempos estranhos, repetiram-se os danos causados pela Lava Jato a grandes empregadores nacionais... Diante disto, é um alívio acompanhar as incertezas do Januário...


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Zeca Sampaio
Zeca Sampaio
Feb 18, 2022

Muito bom esse capítulo, mas aquela primeira parte da Panair é muito inverossímil.

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