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O Ministro colombiano, o Hino Nacional e os problemas das escolas

Atualizado: 5 de dez. de 2023

- Ricardo Antonio Lucas Camargo -


Nasci em 1964. Sou da geração que teve em sala de aula Educação Moral e Cívica, Organização Social e Política do Brasil e Estudo de Problemas Brasileiros. Não tive latim no 1 e 2 graus (equivalentes, hoje, aos ensinos fundamental e médio). Quando ingressei no Colégio Naval em 1981, era um dos poucos que conheciam, antes de lá ingressar, de cor, o Hino Nacional, o Hino da Independência e o Hino à Bandeira (para este, ainda no terceiro ano, muitos precisavam de “cola”). Claro que isto não foi suficiente para que, em minha breve carreira militar, o Recruta Zero, em comparação comigo, fosse um Caxias. Assim como a presença da Educação Moral e Cívica, da OSPB e do EPB não fez com que na minha geração não houvesse inescrupulosos e "impatriotas". Por que estou a falar disto? Porque a panaceia imaginada pelo colombiano que hoje ocupa o Ministério da Educação no Brasil não produz, necessariamente, os efeitos que ele sustenta em público produzir. Estou a referir experiência real, não simples opinião pessoal. Veja-se a faixa etária da maioria dos envolvidos em escândalos nos últimos tempos, independente de cor partidária: é superior a quarenta anos. Muitos diplomados, conhecedores do valor dos símbolos nacionais, e que, no entanto, não deixaram de protagonizar episódios nada edificantes na história nacional.


Pode-se perguntar: “o que há de errado em cantar o Hino Nacional”? Respondo: nada. Trata-se de um dos símbolos do País, cuja tonalidade – fa maior para canto e si bemol maior para orquestra – e cujo andamento – Allegro marziale, semínima 120 – são estabelecidos por lei. O compositor norte-americano Louis Moreau Gottschalk, falecido em 1869, no Rio de Janeiro, com a idade de 40 anos, apreciava-o tanto que chegou a compor uma grande fantasia triunfal nele baseada. Até gostaria de saber se o ilustrado Ministro, colombiano de nascimento, efetivamente, o conhece. Porque, como dito, nem mesmo na época castrense, todos os brasileiros o sabiam, mesmo dentre aqueles que tinham notas altas em Educação Moral e Cívica.

E também se ele sabe interpretar a letra parnasiana que Osório Duque Estrada introduziu na música composta quase cem anos antes por Francisco Manoel da Silva, depois que o seu parceiro de longa data, o maestro e compositor cearense Alberto Nepomuceno, veio a transportá-la para uma tonalidade que fosse alcançada pela maior parte das vozes dos brasileiros: “lábaro que ostentas estrelado”, “terra mais garrida”.

E ainda compareceu ao seu pronunciamento o “slogan” de campanha do Presidente da República, e mais uma recomendação de que filmassem os estudantes a cantar o Hino, esquecendo, inclusive, do dado de que é por uma decorrência da autoridade parental – base da família – que não é à escola que cabe autorizar a apropriação da imagem das crianças.


Nem mesmo na época da Ditadura, quando se policiava o que os professores diziam em sala de aula e se deduravam os alunos, se tem notícia da aplicação de sanções por conta de não se cantar, eventualmente, o Hino Nacional. Os temas do “patriotismo” enquanto fundamento para aplicação de sanções comparecem em outros campos, como o caso do Padre italiano Vito Miracapillo, expulso do Brasil por, em um dos mais recônditos lugarejos do sertão nordestino, se haver recusado a celebrar a missa do Sete de Setembro. Queria ver tanta diligência para os problemas relacionados com as salas de aula com goteiras, por exemplo, com que convivemos até mesmo na Universidade. Ou com a péssima manutenção da fiação elétrica, com o seu potencial para provocar incêndios. Ou com as crianças que, para chegarem à escola, têm de cruzar um caminho onde as balas zunem, sem disporem de transporte escolar, e que, por vezes, podem receber o tiro de quem as deveria proteger, mesmo uniformizadas. Mas quem diz que estes problemas mereceriam a atenção de quem considera que a educação deveria ser convertida em commodity sujeita às leis do mercado? Parece a fábula de La Fontaine sobre os animais e a peste: o culpado era o burro porque pastou a couve do vigário.


Sim, eu me recordo de que o Ministro voltou atrás. Mas isto não impede que se realize um comentário, como o presente, acerca do que se considera necessário resolver em termos de problemas no setor da educação. Porque, como dito, não adianta desesperar-se porque o corrimão de metal da escada do navio está fosco quando o navio está nas proximidades de icebergs.

 

Ricardo Antonio Lucas Camargo, Professor de Direito Econômico da UFRGS e Procurador do Estado/RS, foi presidente e é atualmente Diretor Internacional do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública - IBAP.


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