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Os Bebês Reborn e o Fetichismo da Mercadoria: Uma Crítica Sociológica e Jurídica.

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    Revista Pub
  • há 4 dias
  • 3 min de leitura

-Ibraim Rocha-



By Micov at English Wikipedia, CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=17853937
By Micov at English Wikipedia, CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=17853937

1- Introdução


Os chamados “bebês reborn” - bonecas hiper-realistas que simulam recém-nascidos – têm ganhado espaço não apenas como objetos de colecionador, mas como supostos "filhos" para adultos que projetam neles sentimentos parentais. No entanto, por mais que sejam tratados como seres vivos, são mercadorias inertes, incapazes de estabelecer relações reais. Essa discussão revela não apenas um equívoco jurídico (ao tentar enquadrá-los no direito de família), mas também um sintoma de uma sociedade que substitui vínculos humanos autênticos por simulacros afetivos.


2-A Ilusão Jurídica: Por Que Reborns Não Podem Ser Objeto de Guarda.


O direito de família regula relações que envolvem seres humanos em desenvolvimento, com direitos e necessidades próprias. A “guarda” o “poder familiar” e o “direito de visita” pressupõem obrigações recíprocas: os pais devem alimentar, educar e proteger, enquanto os filhos têm direito ao seu desenvolvimento integral (Art. 1.634 do CC/02). Já os bebês reborn: - Não demandam cuidados reais (não comem, não adoecem, não precisam de escola). - Não desenvolvem personalidade ou autonomia. - Não geram responsabilidade civil ou social. Se um casal se separa e disputa a posse de um reborn, a questão deve ser resolvida apenas como um conflito sobre “propriedade” (quem comprou, quem tem posse), não como uma disputa de guarda. Tentar aplicar institutos do direito de família a um objeto é um erro categorial – confunde pessoa com coisa.


3- O Fetichismo da Mercadoria: Quando Objetos Viram Símbolos Vazios.


Mesmo que um bebê Reborn use uma ”boina do Che Guevara" ele nunca poderá entender o que é um amor revolucionário . Isto na verdade revela um problema maior: numa sociedade consumista, objetos ganham valor simbólico, mas permanecem vazios de significado real. O reborn é vendido como "filho perfeito" – um produto que não chora, não cresce e nunca desafia seu dono. Isso reflete a mercantilização do afeto. Em vez de relações complexas e mutuamente transformadoras, compra-se a ilusão de um vínculo sem exigências. O narcisismo contemporâneo é o melhor espelho dessa loucura coletiva. O reborn é um "filho" moldado ao desejo do adulto, sem autonomia – o oposto da paternidade/maternidade real, que exige renúncia e adaptação. Cultiva-se a cultura do simulacro: Vivemos numa era em que cópias (redes sociais, inteligência artificial, relações virtuais) substituem experiências autênticas, onde se exige que a vida social seja a da rede social.


4- O Direito como Espelho das Contradições Sociais.


O fato de algumas pessoas judicializarem a posse de reborns (como se fossem filhos) expõe uma contradição: enquanto a lei tenta proteger relações humanas reais (como adoção ou guarda compartilhada), parte da sociedade busca direitos sobre objetos. Isso deve ser de plano indeferido pelo judiciário, Com efeito, além de ferir a lógica jurídica, isso levanta questões incômodas: - Se um reborn vira "filho", o que isso diz sobre o valor que damos às crianças reais? - Se o afeto pode ser comprado, qual o sentido de laços baseados em reciprocidade? - Até que ponto o direito deve legitimar fantasias individuais em detrimento da realidade material?


5- Conclusão.


Bebês Reborns são o sintoma doentio de uma Sociedade que Prefere Coisas a Pessoas. Os bebês reborns não são apenas bonecos – são espelhos de uma cultura que substitui a complexidade das relações humanas por commodities afetivas. Juridicamente, são “coisas” e, como tais , qualquer disputa sobre eles deve ser resolvida como questão patrimonial. Socialmente, porém, sua popularidade revela um mal-estar mais profundo: a dificuldade de lidar com o amor real, que exige entrega, incerteza e responsabilidade. Enquanto alguns veem neles um "consolo inofensivo", são, na verdade, a materialização de um vazio – a confissão de que, numa sociedade que ama coisas mais que pessoas, até a maternidade/paternidade pode virar produto.



IBRAIM ROCHA, Advogado, Mestre em processo civil/UFPA, Doutor em Direitos Humanos e Meio Ambiente/UFPA, Procurador do Estado do Pará, escreve todo dia 21 do mês na Revista PUB.



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