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DO ESPORTE E DA PROPAGANDA

Atualizado: 5 de dez. de 2023

-RUI VIANNA-



O que você sente ao ver essa foto? O garboso atleta, no lugar mais alto do pódio, olhar compenetrado no infinito, estátua grega esculpida em granito? Orgulho, talvez satisfação. Bom, resolvi adentrar um assunto quase que totalmente inexplorado para os leitores da PUB. Esporte. Mas sob um ponto de vista extremamente peculiar.


Sou um fanático apreciador de esportes. E creio que continuarei a ser, independentemente do quanto o esporte venho sendo explorado de forma indevida e vergonhosa, seja por dirigentes inescrupulosos, seja por políticos espertalhões ou ainda por atletas medíocres e mercenários. E é exatamente esse o ponto ao qual eu queria chegar.


A foto do início do texto traz o nadador brasileiro Fernando Scheffer, de 21 anos, recebendo a medalha de ouro dos 200 metros nado livre, merecidamente conquistada em Lima, em prova que teve a participação de nadadores estaduninenses e canadenses, de alto nível. Inquestionável.


O que eu questiono é a continência que ele presta. Continência a quem? Estaria ele competindo em alguma olimpíada militar? Confesso que me sinto extremamente incomodado com essa leva de atletas financiados pelas Forças Armadas brasileiras, sendo que o princípio mesmo do patrocínio é a propaganda. Por que raios as Forças Armadas têm que fazer propaganda, alardear seu nome? Existe alguma finalidade comercial, algum proveito financeiro para essas forças, que seriam resultado desse patrocínio?


A consulta ao Ministério da Defesa revela:


“Com o objetivo de fortalecer a equipe militar brasileira em eventos esportivos de alto nível, o Ministério da Defesa em parceria com o então Ministério do Esporte criou, em 2008, o Programa de Incorporação de Atletas de Alto Rendimento às Forças Armadas Brasileiras.”


Diz ainda:


“Os atletas têm à disposição todos os benefícios da carreira, como soldo, 13º salário, férias, direito à assistência médica, incluindo nutricionista e fisioterapeuta, além de disporem de todas as instalações esportivas militares adequadas para treinamento nos centros da Marinha (Centro de Educação Física Almirante Adalberto Nunes - CEFAN), do Exército (Centro de Capacitação Física do Exército e Complexo Esportivo de Deodoro) e da Aeronáutica (Universidade da Força Aérea - UNIFA).”


Com o objetivo de fortalecer a equipe militar brasileira...”. A frase demonstra que a iniciativa nasceu de um subterfúgio, uma pequena esperteza, que cria, de um dia para o outro, atletas de altíssimo nível no seio das forças armadas. Como vemos, tal iniciativa vem de longa data, e foi do governo Lula. Tratava-se de uma forma indireta de propiciar condições financeiras aos atletas brasileiros, carentes de todo e qualquer apoio para o desenvolvimento de suas carreiras. Apesar de louvável, não deixa de ser uma “esperteza”, que representa um custo o erário. Onde estão nossos liberalóides furibundos nesse momento?

Como escreveu jornalista Bernardo Melo Franco, em artigo de agosto/2016 para a Folha de São Paulo:


“Quem vê nossos campeões prestando continência no pódio pode pensar que os quartéis estão transformando o Brasil numa potência esportiva. Não é bem assim. Na verdade, as Forças Armadas apadrinharam civis que já se destacavam em suas modalidades. Os escolhidos viram militares temporários em troca de benefícios como salário de terceiro-sargento e assistência médica. Um dos idealizadores do programa, lançado no governo Lula, conta que ele nasceu como um típico “jeitinho brasileiro”. Os oficiais queriam evitar um fiasco esportivo em 2011, quando o Rio receberia os Jogos Mundiais Militares.”


Conclui o mesmo Bernardo, ao final do mesmo artigo:


“O ponto negativo da história é que nossos campeões precisem vestir fardas por um patrocínio tão modesto. O soldo dos sargentos olímpicos é de R$ 3.200 brutos. Os deputados recebem R$ 4.253 só em auxílio-moradia, sem descontos.” (Valores da época)


E o que vemos hoje? Atletas, jovens ou consagrados que, de forma transversa, “abraçam” a carreira militar, dando a ela um verniz olímpico e emprestando uma respeitabilidade à disciplina e à hierarquia, como se isso fosse indispensável ao sucesso de suas carreiras. Não concordo com isso. Primeiro por ser fundamentalmente contrário à propalada disciplina militar, como já explicitei em outro texto aqui , segundo por entender que o esporte não deve se atrelar ao direcionamento vergonhoso a que vem se prestando.


Será necessário lembrarmos quem lançou mão da propaganda no esporte, e não só nele, como forma de reafirmar a superioridade da raça ariana? Será também necessário lembrarmos aonde tais práticas levaram humanidade?

A “continência” prestada de forma marcial à bandeira brasileira nada mais é do que a mão suja do marketing no esporte, usada da pior forma possível. Desnecessária e nociva. Mais ainda nesse momento de aprofundamento do militarismo como forma de dominação no cenário político brasileiro, e da consequente escalada do autoritarismo dela advinda. Isso sem falar na polarização violenta a que vem sendo submetida a sociedade civil brasileira. O recado vai sendo inoculado subliminarmente.


A discussão pode e deveria se estender bem mais do que essas poucas linhas, inclusive pelo aspecto de patrocínio privado, ou ainda do modelo americano de atletas universitários. Mas pode ficar para uma próxima vez.

 

Rui Vianna escreve todos os dias 11 e 29 de cada mês, advogado e procurador aposentado da CEF, deixou momentaneamente de ser torcedor do Santos FC para ser crítico


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