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A VOLTA TRIUNFAL DO CORONELISMO?

Atualizado: 5 de dez. de 2023

-MÁRCIA SEMER-

É de Hegel a frase que talvez possa expressar em poucas palavras o sentimento que nos assalta nos últimos dias: “A única coisa que o homem aprende da História é que o homem não aprende nada da História”.


De fato, para perplexidade geral, vários acontecimentos de nossa história recente parecem um repeteco macabro de fatos da história nacional e mesmo estrangeira que, tivessem sido aprendidos, compreendidos e assimilados não poderiam engendrar sua reprodução, porque produziram resultados devastadores ao povo.


Uma marca importante da estrutura política da primeira república brasileira, que se manteve pujante décadas a fio foi o coronelismo, tão bem denunciado e analisado no antológico Coronelismo, Enxada e Voto, de Victor Nunes Leal.


O Coronelismo foi a marca do sistema eleitoral brasileiro até bem recentemente e significava, na prática, a inexistência de eleições livres, na medida em que o Coronel ou grande empresário, via de regra do setor rural de dada região (os atuais ruralistas), dominava o eleitorado com favores ou terrores e, com isso, aliciava os votos para si mesmo ou para seus agraciados.


Sob o Coronelismo toda a estrutura política e até administrativa do Estado funcionava dependente das ordens, das decisões, dos interesses do Coronel da região.

No Coronelismo o poder é loteado por territórios, em repartição espacial que funciona à semelhança de outros sistemas de dominação ilegítimos como os exercidos por mafiosos ou chefes do tráfico.

Pois esse sistema perverso tem tudo pra reviver com a medida provisória que o presidente anunciou nesta semana como sua “retribuição” à imprensa pela eleição conquistada.

A vendeta presidencial, para além do imoral uso da lei para declaradamente revidar inimigos, parece ser a expressão do popular “atirou no que viu e acertou no que não viu”.


Pode também – e não é prudente que se descarte essa possibilidade- ir além disso e encarnar maquiavelicamente objetivo deliberado de empoderar lideranças empresariais locais.


Sim, porque, convenhamos, a imprensa – notadamente toda a grande imprensa escrita, falada e televisada- foi veículo propulsor, fiador da eleição de Bolsonaro, não desempenhando em nenhum momento papel crítico que corresse em efetivo desabono ao então candidato.


A Medida Provisória no. 892, de 5 de agosto de 2019 – a MP da Retribuição-, revoga exigência legal das empresas publicarem seus balanços em jornais de grande circulação. Em adendo, noticiou o Presidente que editará norma franqueando o Diário Oficial da União, sem custo, para o empresariado realizar as necessárias publicações.


-Trata-se de mera desoneração!, dirão uns, -De redução dos encargos dos produtores neste momento de crise!, dirão outros em coro. -O PT fez muito pior!, dirão ainda aqueles que seguem em confinamento mental eleitoral e só têm olhos, ouvidos e boca para o mantra da culpa do PT.


Mas o fato é que a diatribe (i)legal do Presidente abre uma avenida para que, isoladamente ou em consórcio, o empresariado capture os órgãos de imprensa locais, para além das verbas de publicidade já existentes.

Afinal, podem decidir não provocar essa sangria no orçamento dos jornais das diferentes localidades do país e seguir publicando onerosamente seus balanços, agora por livre e espontânea vontade. Vontade que, obviamente, não poderá ser colocada em risco e que certamente merecerá exaltações nos momentos certos.


Revisitando Weber, dia desses li que a História para ele não é o processo da razão triunfante apregoado pela ilustração. É a História da oposição razão-não razão em tensão perpétua.


Pra quem não tinha entendido isso e nutria a ilusão da razão triunfante, o momento é de choque de realidade.


Alimentar mecanismos incentivadores do ressurgimento de práticas antidemocráticas como foi a do coronelismo é uma maneira perversa de conduzir a história.


Se Hegel tiver razão – eu ainda tenho a esperança de que ele esteja um pouquinho errado- , estamos em viagem sem volta pelo túnel do tempo. E tudo indica que em queda livre para uma era da não-razão.

 

Márcia Semer - Procuradora do Estado de São Paulo Mestre e doutoranda em Direito Público da USP. Presidente do Sindiproesp. Escreve todo dia 10 de cada mês.


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