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Lei anticrime do Dr. Moro: novas perspectivas para os Frigoríficos Brasileiros

Atualizado: há 3 dias

- Guilherme José Purvin de Figueiredo -


Nesta semana, o Ministro da Justiça e da Segurança Pública Sérgio Moro, que se notabilizou mundialmente por haver conseguido acabar com a corrupção política no Brasil e ter colocado no xadrez o sindicalista e ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, apresentou uma proposta que, de certa forma, resgata e moderniza as ideias centrais apresentadas por certo ensaísta britânico do Século XVIII.


Trata-se de um projeto de lei anticrime. O nome escolhido é muito importante: anticrime. Com este qualificativo, Sérgio Moro ensina que as leis vigentes, baseadas na Constituição de 1988 e nos Tratados e Direitos Humanos, são leis pró-crime. Com Bolsonaro e Mourão, as regras passam a ser as de uma determinada corrente de pensamento no Ministério Público - colegas escolhidos a dedo pelo ministro. Ou os senhores jornalistas e parlamentares preferem as leis pró-crime dos defensores públicos e advogados criminalistas?


Para que dúvidas não pairem na finalidade da lei (ser anticrime), o projeto procura explicar o que é organização criminosa e, para facilitar o trabalho, propõe uma alteração na lei 12.850/2013, explicando que "organização criminosa" é isto ou aquilo. Ou, para simplificar, é "o Primeiro Comando da Capital, Comando Vermelho, Família do Norte, Terceiro Comando Puro, Amigo dos Amigos, Milícias, ou outras associações como localmente denominadas".


Procedimento prático e econômico: organização criminosa são essas aí e umas outras. Verdadeiramente revolucionário, o projeto de lei demonstra a inutilidade daquele tal princípio da impessoalidade da lei e volta-se diretamente aos culpados - cuidadosamente escalados pelo poder público no ato do primeiro ingresso prisional: "Você não tem organização criminosa ainda? Deixe conosco: seu bairro pertence ao PCC". Será particularmente interessante o momento da regulamentação da lei, ocasião em que o Poder Executivo deverá explicar o que vem a ser cada uma das associações criminosas relacionadas na lei - "Entende-se por PCC a organização fundada na Casa de Custódia de Taubaté por sete presidiários, dentre eles Marcola e Geleião" (para maiores detalhes: "Laços de Sangue - A História Secreta do PCC", de Marcio Sergio Christino e Claudio Tognolli, cit. em Folha de S.Paulo). O crime sai da clandestinidade e passa a merecer regulamentação no Diário Oficial da União. 

Além da revogação do princípio da impessoalidade, a proposta consiste basicamente na introdução de novos princípios jurídicos que há muito tempo vêm sendo aplicados no Brasil, mas que ainda não haviam sido positivados por conta de pressão de parlamentares que doravante estarão na mira do novo governo: o da presunção de culpa e o da irrelevância do trânsito em julgado de sentença penal condenatória para fins de sua execução.


Jonathan Swift foi um importante escritor irlandês do Século XVIII que se tornou mundialmente conhecido por seu livro Viagens de Gulliver, lançado em 1726. Três anos mais tarde, Swift publicou Uma modesta proposta, obra destinada a resolver o problema da pobreza e da fome no reino, sobretudo junto à faixa etária infantil.


A proposta do Dr. Moro talvez possa parecer modesta como a de Swift, pois ainda se exige que a pena seja confirmada em segunda instância, o que significa que, por um largo período de tempo os presumivelmente culpados permaneceriam em liberdade, prejudicando os interesses do mercado. É que a redação proposta ao art. 283 do Código de Processo Penal dispõe que a prisão só seja efetivada se a condenação penal for exarada por órgão colegiado – ou seja, um tribunal.


Todavia, atento a esta possível brecha, o projeto de lei anticrime introduz um parágrafo segundo ao art. 23 do Código Penal. De acordo com a nova redação proposta, o excesso policial deixa de ser punível se o agente sentir um medo escusável, se ficar surpreso ou se estiver violentamente emocionado.


A atividade policial rarissimamente provoca algum tipo de medo, surpresa ou emoção violenta nos agentes estatais. Mas vai que um elemento presumivelmente culpado utilize uma arma: isso vai dar medo, mesmo que ela seja de brinquedo. O facínora pode também dar um grito ou mover-se bruscamente ao espirrar, surpreendendo o policial. Ou, por fim, o agente pode ser violentamente emotivo: por exemplo, ele não se recuperou de um trauma antigo, um tiroteio do qual resultou a morte de um amigo da corporação.


Esses fatores psicológicos passam a ser levados em conta agora para fins de redução da pena ou sua não aplicação na hipótese de excesso do agente policial. E, com isto, a liberalidade do art. 283 do Código de Processo Penal deixa de ser tão impactante. Afinal, não haverá presumivelmente culpados a serem julgados em segunda instância e a morte do candidato a réu terá reduzido o congestionamento processual no judiciário.


A proposta de Sérgio Moro poderá coadunar-se admiravelmente com o projeto de Jonathan Swift, que acreditava ser factível a aprovação do uso de proteína animal para fins de redução da fome na Inglaterra do Século XVIII a partir do extermínio e aproveitamento das peças abatidas nas ruas de Dublin. Não é mais admissível que, em tempos de escassez de alimentos, a proteína animal produzida na caça humana continue a ser desperdiçada. Os grandes frigoríficos poderiam mesmo firmar termos de parceria público-privada (PPP), processar essa proteína, fornecendo hambúrgueres e salsichas de carne humana abatida por excesso não punível do agente, para revenda nos presídios federais que alojarão futuros ex parlamentares contrários à aprovação do projeto. Afinal, como destacou Marie Madeleine Hutyra de Paula Lima, em artigo veiculado aqui na Revista PUB, já está em curso pelo atual Ministério da Agricultura a extinção da fiscalização diária do processo de inspeção de carnes e derivados produzidos no País. A carne voltou a ser forte.


Mas o casamento da proposta Moro com a proposta Swift só será perfeito quando for aprovada a redução da maioridade penal para a faixa da população de 0 a 17 anos que não comprovar que está amparada por plano de saúde e de previdência privada. Afinal, baby beef é muito mais tenro.


PS: O autor pede escusas caso venham a se sentir excluídos do projeto Moro & Swift os vegetarianos de extrema-direita.


 

Guilherme José Purvin de Figueiredo é escritor e advogado.

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