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“¡Muera la inteligência! ¡Viva la muerte!”

Atualizado: 5 de dez. de 2023


-Ricardo Antonio Lucas Camargo[1]-



No momento, vivemos um manancial de fatos que exigiria um Stanislaw Ponte Preta para coligir e elaborar mais uma edição do seu precioso FEBEAPÁ, que se iniciou em 1965. Há para todos os gostos, desde ridicularias como irrogação de marxismo à Revolução Francesa, até fuzilamento, pelo Exército, de um cidadão desarmado, acompanhado pela família, com 80 tiros, sem contar com as medidas que estão a ser adotadas no campo da política econômica, objeto de debates na pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.


Entretanto, vou centrar minha atenção nos bloqueios de verbas realizados pelo Ministério da Educação, em relação, primeiro, às universidades e, depois, ao próprio ensino básico.


Para justificar os bloqueios, que se iniciaram pelas Universidades de Brasília, UFBA e UFF, veio a argumentação de que seriam centros que promoveriam a “baderna” e não teriam desempenho satisfatório[2]. Como o fundamento ideológico seria desconstituído, diante do inciso VIII do artigo 5º e dos incisos II e III do artigo 206 da Constituição brasileira de 1988, estendeu-se o ataque a todas s instituições e procurou-se construir a ideia de que seriam as universidades um espaço em que se desperdiçaria dinheiro público, voltado para o consumo de drogas e realização de bacanais, além da “doutrinação marxista”, divulgando-se, inclusive, fotos e vídeos relacionados a situações bem diversas, por vezes impertinentes tanto ao cenário universitário – isto é, ocorridos (quando ocorridos) em ambiente estranho à universidade[3] -, quanto, mesmo, ao país, dando-os como comprovação de que os bloqueios se justificariam em nome da defesa da moral e dos bons costumes, já que não haveria, a rigor, qualquer base legal, ainda mais diante do § 2º do artigo 9º da Lei Complementar 101, de 2000.


Cabe falar do bloqueio de mais de 3.000 bolsas da CAPES, com o respectivo Presidente justificando estarem “ociosas”[4], talvez porque "não saiba" que quando um bolsista defende a sua tese ou dissertação – isto é, cumpre a sua missão -, passa a não mais fazer jus à bolsa e por isto é que ela fica "ociosa". Neste momento é que passa a poder ser oferecida a quem dela necessite para conduzir os seus estudos na pós-graduação.


Esta é uma das tantas tentativas de substituição de parâmetros gerais e impessoais, alcançáveis a todos, por parâmetros individualizados, que mais não fazem que trazer a ilustração viva da posição frequente de cada qual procurando projetar a sua própria noção de moralidade sobre o restante da humanidade, o que, ao cabo, converteria a liberdade individual em apanágio de um só, quando não numa concessão aos que agradassem a este um. De qualquer sorte, "ao se formular um 'juízo de valor', pois, deve-se estabelecer previamente o 'sentido' que irá fundamentá-lo, sem o qual jamais se chegará ao resultado desejado. Se formularmos um juízo de valor 'estético' em termos 'econômicos' ou um sentido de valor 'religioso' em termos 'lógicos', dificilmente chegaremos a um bom termo"[5]. Os perigos da conversão dos diagnósticos em questão de gosto e não de prova estão sempre presentes e nunca podem ser subestimados.


Primeiro, vamos aos aspectos jurídico-formais, que, no caso, são incontornáveis, porque, em matéria de finanças públicas, o princípio maior é o da legalidade[6]. Em se tratando de serviços públicos, diferentemente do que ocorre com os particulares, não podem deixar de ser prestados[7] -, e devem ser prestados em caráter impessoal, com a acessibilidade universal[8] e, em se tratando da educação, em qualquer dos níveis, há cláusulas específicas que a qualificam como direito de todos e dever do Estado[9], dele diretamente exigível[10], a ponto de se estabelecer, inclusive, vinculação de percentual da receita de impostos, subtraído à livre destinação, pelos parlamentares, a outras rubricas do orçamento[11]. O Professor Fernando Facury Scaff demonstrou bem a ilegalidade da providência[12] e os precedentes do STF sobre a liberdade de cátedra e a autonomia universitária exarados nos primeiros anos em que vigorou o Ato Institucional de 9 de abril de 1964 se aplicam com maioria de razão ante os incisos II e III do artigo 206 e do artigo 207 da Constituição de 1988[13].


A propósito dos neovitorianos que aplaudem as sanções não previstas em lei aplicadas pelo Ministro da Educação às universidades, parece que não lhes acorre à memória episódio de 2015, noticiado em 16 de agosto daquele ano, ocorrido em via pública, à vista de inocentes criancinhas, inclusive, do desnudamento de uma socialite em protesto contra a então ocupante da cadeira Presidencial, Dilma Rousseff. Por sinal, os protestos com desnudamentos eram muito frequentes, naqueles tempos e, como disse um amigo, “tolera-se, se é protesto em nome de Deus, Pátria, Família e Propriedade”.


Quanto ao papel das universidades públicas, o que elas efetivamente fazem, a iniciativa de estudantes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, ao montarem, no Facebook, a página “O que se faz na Federal”, traz várias informações acerca do benefício que retorna para a sociedade em termos de pesquisa e extensão, em todas as Universidades Públicas.[15]

Quando houve a reação aos bloqueios de verbas, uma resposta muito comum entre os que os apoiaram foi que as vozes que hoje se insurgem deixaram os governos do PT em paz. No primeiro Governo Dilma, houve paralisações nas Universidades Federais, em especial em 2012. Sem contar com o dado de que, na época, não vigorava a Emenda Constitucional 95, de 2016. E, mesmo que não tivesse havido, na época de Dilma, reação - que houve -, não seria motivo para agradecer os cortes ou dá-los como uma imposição patriótica. Por outro lado, o corte, agora, não é em função de não haver sido justificado o uso dos recursos, como informa jornal insuspeito[16]. E digo mais: quem agradece prejuízo sofrido a quem o causou, certamente, não pode ser exemplo de inteligência ou sanidade mental.


[1] Professor nos cursos de Graduação e Pós Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Professor Visitante da Università degli Studi di Firenze – ex-Presidente do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública - IBAP





[5] SOUZA, Washington Peluso Albino de. Primeiras linhas de Direito Econômico. 6ª ed, São Paulo: LTr, 2005, p. 171.


[6] Caput do artigo 37 e inciso I do artigo 167 da Constituição brasileira


[7] Cláusula geral: artigo 175, caput, da Constituição brasileira


[8] Cláusula geral: caput do artigo 37 da Constituição Federal.


[9] Artigo 205, inciso I do artigo 206, incisos I a V do artigo 208 da Constituição brasileira.


[10] Artigo 208, §§ 1º e 2º, da Constituição brasileira.


[11] Inciso IV do artigo 167 e artigo 212 da Constituição Federal.



[13] Em especial o proferido na Petição de Habeas Corpus 40.910, relatado pelo Min. Hahnemann Guimarães, publicado no Diário de Justiça da União em 19.11.1964.





 


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