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MINISTÉRIO DO POVOS INDIGENAS É O NASCEDOURO DO ESTADO PLURINACIONAL NO BRASIL ?

Atualizado: 5 de dez. de 2023

-IBRAIM ROCHA-




Não se pode negar que a nação brasileira é uma das mais diversas em sua formação,mas isto não permite dizer que todos os componentes humanos organizados em torno de algum objetivo comum na construção desta jovem nação, em épocas passadas por mais longevas que sejam, constituem-se em comunidades tradicionais ou povos originários. Por isso mesmo, é fato histórico relevante a criação pela MP nº 1.154, de 1º. de Janeiro de 2023, o Ministério dos Povos Indígenas, constituída na sua área de competências a política indigenista; reconhecimento, garantia e promoção dos direitos dos povos indígenas; reconhecimento, demarcação, defesa, usufruto exclusivo e gestão das terras e dos territórios indígenas; bem viver dos povos indígenas; proteção dos povos indígenas isolados e de recente contato e acordos e tratados internacionais, em especial a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho - OIT, quando relacionados aos povos indígenas.(art. 17, inciso XXIV c/c art. 42 , incisos I a IV e art. 53, III). Sendo nomeada como a primeira titular da pasta Ministerial a Indígena e Deputada Federal, eleita em 2022 pelo PSOL, a Ministra Sonia Guajajara.


E pensar que, pouco antes, a FUNAI, criada pela Lei nº 5.371, de 5.12.1967, e hoje denominada de Fundação Nacional dos Povos Indígenas, com a competência da delimitação, demarcação e registro das terras indígenas, teve este competência como objeto de debate por meio das ADI 6172, 6173 e 6174, onde embora sem adentrar no mérito do conteúdo normativo o STF rejeitou MP que pretendia vincular a FUNAI ao Ministério da Agricultura, confirmando os termos da medida cautelar do Ministro Barroso para suspender o art. 1° da MP n° 886/2019, mantida a sua vinculação ao Ministério da Justiça, e que na atualidade, passou a ser vinculada a Ministério dos Povos Indígenas.


A importância de se resgatar tais elementos, é para demonstrar que o processo histórico nos indica que o legislador não pode forjar figuras sociais, mas são estas que vão se forjando nas suas características, e, que constroem a sua diferenciação como povos ou comunidades tradicionais, como vão sendo reconhecidos amplamente por outros atores sociais, e objeto de caracterização pela academia, notadamente a antropologia, como ciência especializada.


Lembre-se que quando João Mendes Junior inicia a sua clássica obra “Os indígenas do Brazil, seus Direitos Individuais e Politicos”,(1) escrita no início do século XX, introduzindo os elementos extrajurídicos que o motivaram a escrever a obra, elogiando aqueles homens da nascente República que, como Rodolpho Miranda, Ministro da Agricultura, promoveram o “despertar da consciência do Governo na obrigação de proteger os primários e naturaes possuidores do território nacional”(3) sem olvidar a necessidade de sua catequese e civilidade. Apesar de se afirmar, um direito natural a existência indígena que deve ser respeitado pelo Estado, segundo o princípio da autonomia das tribos. Mas nem de longe, se pode pensar que reconhecer a autonomiadas tribos impediria ou imporia um limite ao processo de aculturação, pois essa liberdade era uma forma de permitir o processo mesmo de formação da identidade nacional, e como o processo de miscigenação do europeu com o índio era positivo para formação brasileira, afirmando mesmo que “os bandeirantes eram, em geral, filhos de europeu e índia” 1e que a maioria não queria ser confundida com atacantes de índios, segundo disposto na Carta Régis de D. João VI, de 5 de novembro de 1.808, ressalvava aos índios o direito de fazer aldear e viver debaixo do jugo da Leis, para serem “ considerados como cidadãos livres” para a “sua segurança individual e de sua propriedade2.


É consenso a mudança total de paradigma da Carta de 1988 , o nascedouro de outro patamar de proteção da comunidade indígena e que, por isso mesmo, exige uma mais larga compreensão deste direito subjetivo a terra indígena, a permitir uma efetiva proteção aos direitos reconhecidos aos índios para a proteção de sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e que inclui os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam como descrito no caput do art. 231.


Ao decidir o Caso Raposa Serra do Sol o STF, por meio de todos os votos dos Ministros, fixou expressamente que o direito subjetivo indígena, decorre diretamente do texto constitucional, e, ao interpretar os critérios do art. 231 e 232 da CRFB, declara a especificidade do direito indígena, como um direito de minoria, historicamente em desvantagem, que levam a necessidade de um espaço fundiário que assegure meios de subsistência e preservação de identidade, como está bem resumido no item 9 da Ementa do acordão da Pet. 3.388. Declaram os Ministros que os critérios para a definição das terras indígenas estão previstos no texto constitucional e permitem a sua demarcação para atender os objetivos elencados, além disso reconhecem que os requisitos do procedimento fixados na norma regulamentar não violam a regra constitucional de 1988, base material do direito possessório diferenciado, que constitui verdadeiros territórios, como se verifica no item 11.4. da Ementa.


A reivindicação do território diz respeito às necessidades presentes e de como o grupo enfrentou o entorno no passado e enfrenta no presente para continuar a existir desde um passado mais recente ou mesmo pré-colombiano, e neste contexto se há algo imemorial a ser comprovado, está conectado a tradição oral destes grupos e não a uma posse perdida no tempo. Ninguém pode negar que os índios são uma minoria em risco eminente, que a Constituição preserva o existir hoje e a continuar a ser presente no futuro, as suas lutas no passado e perda de território fazem parte do seu ato de resistir, que pode e deve ter significado para a situação atual, vez que o grupo reconheça que o território reivindicado é relevante para o seu ser.


Esta relação de pertencimento com o território e proteção da natureza, diferencia os indígenas e permite nos definir todos os agentes sociais externos, como fazem David Kopenawa e o antropólogo Bruce Albert, como espécies de garimpeiros, unificados sob a alcunha de urihi wapo pê (comedores de terra) pois “o pensamento desses brancos está obscurecido por seu desejo de ouro. (...) Em nossa língua os chamamos de napë worëru pë, os “espíritos queixada forasteiros, porque não param de remexer os lamaçais , como porcos-do-mato em busca de minhocas”3.


Logo, o maior desafio do Ministério dos Povos Indígenas é fazer ajudar a nascer o Estado Plurinacional Brasileiro, para que perceba que não se trata apenas de garantir os direitos a terra dos indígenas como povos diferentes, mas sim como brasileiros originários, cujo direito de existir como ser humano se manifesta de forma diferente dos outros brasileiros e, assim, deve se construir o fundamento deste direito subjetivo dos cidadãos originários ocupantes das terras brasileiras, para continuar o processo de aperfeiçoamento do elemento humano da nação, não pela miscigenação, como se entendia no passado, mas por uma efetiva troca de espiritualidade existencial.


1MENDES JUNIOR, João.Os indígenas do Brazil , seus Direitos Individuais e Políticos. São Paulo: Typ. Hennies Irmãos, 1912, p. 36

2MENDES JUNIOR, João.Os indígenas do Brazil , seus Direitos Individuais e Políticos. São Paulo: Typ. Hennies Irmãos, 1912, p.41

3 KOPENAWA , Davi, ALBERT, Bruce. A Queda do Céu: Palavras de um Xamã Yanomami. Tradução Beatriz Perrone-Moisés. 9ª. reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras. 2010. p.336

 

IBRAIM ROCHA é Procurador do Estado do Pará, Doutor em Direito (UFPA) e membro do Conselho Consultivo do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública.

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