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QUANDO AS NOÇÕES DE CIVILIZAÇÃO E BARBÁRIE SE CONVERTEM EM SINTOMAS DE IDENTIFICAÇÃO PARTIDÁRIA

Atualizado: 5 de dez. de 2023

-RICARDO ANTONIO LUCAS CAMARGO-


Costuma-se dizer que próprio dos civilizados é expor e resolver as diferenças na comunicação de ideias, e próprio dos bárbaros é afirmar os próprios interesses mediante o exercício da força bruta.


É, também, uma ideia muito disseminada no senso comum a noção de que, com a educação formal, as tendências ao enaltecimento da força, ao desprezo por tudo o que não faça com que o indivíduo ouça a si próprio em boca alheia, tenderiam a minimizar-se, e que o fantasma do primitivismo seria, assim, exorcizado.



Normalmente, tenho evitado, nos últimos tempos, participar de debates nas redes sociais para poupar tempo e energia, mas neste que vai ser transcrito e comentado me pareceu interessante intervir, quando nada, para o fim de verificar o quanto estes dois mitos iluministas, já questionados nesta mesma revista [Fascismo como “injúria” e o espancamento no Carrefour, acessado em 13 dez 2020; Entre “buzinaços” e agressões, civilização agonizante, acessado em 7 maio 2020; É coisa de comunista, acessado em 2 dez 2020; Limites do agir comunicativo, acessado em 2 dez 2020; Guerrilheiros apocalípticos, acessado em 5 out 2019; Meio dia tenebroso, acessado em 4 set 2019; A reforma previdenciária e o Messias, acessado em 8 ago 2019, “¡Muera la inteligência! ¡Viva la muerte!”, acessado em 5 jun 2019], se sustentam, sobretudo porque este era um caso em que o silêncio pareceria cumplicidade, como diria Miguel de Unamuno no enfrentamento que sustentou com o militar franquista Millán-Astray, famoso pelo brado “morra a inteligência traidora, viva a Morte!”, registrado pelo historiador Hugh Thomas.


O diálogo que se vai transcrever, por incrível que possa parecer, não constitui uma peça de ficção, e não foi travado com pessoas desprovidas de titulação, mas, antes, portadoras de diploma de curso superior que foram capazes de identificar na utilização do vocábulo “obscurantismo”, que carrega a evidente crítica à negação da ciência, à submissão de todo conhecimento à conformidade com uma fé predeterminada, ao estabelecimento de hierarquias por fundamentos diversos dos que se põem em termos de funcionamento das instituições, propaganda do “esquerdismo” e do “petismo”.


Como o diálogo é verdadeiro e não tenho autorização dos demais participantes – mesmo o B.R., a quem estava eu a apoiar - para expor-lhes os nomes, são eles identificados por iniciais, mantidas, ainda, as próprias características gráficas, como pontuação e ortografia originais, do que se transcreveu:


“B.R. - Cultores do obscurantismo e da barbárie, de um lado, e todos os demais, de outro. Omissos, por óbvio, perfilham o primeiro grupo.


G. C. - Kkkkkkk, obscurantismo, esses canhotos inventam cada uma, falando bonitinho!


Ricardo Antônio Lucas Camargo - B.R., pelo visto, é prova de esquerdismo dizer mais que "uga, buga!"


G.C. - Ricardo Antônio Lucas Camargo não, esqueceu do seu presidente e da sua presidanta? Falam muito mais que uga uga! O que adianta ter cultura, ter pós doutorado e apoiar ladrões e bandidos? PNC do vocabulário!


Ricardo Antônio Lucas Camargo - Não esqueceu do honesto Queiroz, depositando, como costuma acontecer em relação a qualquer relação de emprego, vultosas quantias na conta do patrão? Ou é proibido apontar no Enviado de Deus - Uga, Buga! - qualquer delito? É honesto usar dinheiro público - Uga! - para financiar encontros sexuais? Buga! Só para ficar na honestidade com o uso do dinheiro público. Anauê, como diziam alguns...outros, como o enviado de Deus, dão vivas à Morte. E eu tenho elementos, pela sua resposta e pela acusação que me faz de apologia do crime, para acreditar firmemente que você mataria alguém por simples suspeita de comunismo, independentemente de uma agressão ou ameaça concreta desta. Ou não mataria? Até que ponto vai o seu desejo de limpar a Pátria?


J.P. – G.C. a militância cria termos para qualificar tudo o que se lhe opõe e justificar suas posições. Atualmente basta discordar de alguma medida como redução de transporte coletivo já é suficiente para ser tachado de "negacionista".


G. C. - Ricardo Antônio Lucas Camargo não vou nem responder pq vc é louco! Te manca 😉


Ricardo Antônio Lucas Camargo - Concluo: mataria mesmo.


G. C. – J.P. concordo, basta apontar o dedo para notória corrupção do pt que automaticamente nos transformamos em minions...


Ricardo Antônio Lucas Camargo - Ora, não são bons patriotas? Logo, minion é elogio para vocês, nossos superiores.


G. C. - Pode concluir o q vc quiser... viva no seu mundo imaginário!


Ricardo Antônio Lucas Camargo - Anauê!


G. C. - Ricardo Antônio Lucas Camargo existe muito mais posições políticas do que ser ptista ladrão o de direita, mas como vc é alienado, acha que só existe esses dois lados. E pensando bem, eu com certeza não mataria, mas que tem gente que merece morrer, pode ter certeza.


Ricardo Antônio Lucas Camargo – G.C., ao contrário, do alto de sua superioridade, você supôs que quem quer que aponte para um defeito do bolsonarismo ou do mais que se lhe aproxime está a fazer apologia do petismo, porque quem introduziu o tema "PT" foi você. Desafio-o a identificar qualquer passagem em que eu ou o B.R., que neste post escrevemos, tivéssemos feito qualquer tipo de apologia ao PT, Lula ou Dilma. Falamos em barbárie, em lisura com a coisa pública - citei dois exemplos de malversação realizada pelo Bolsonaro só para mostrar que quem o apoia, está, sim, a apoiar quem desviou o patrimônio público de sua finalidade e, pois, a imputação se volta contra si como um verdadeiro bumerangue -, mas não tocamos, nem ele nem eu, em PT, Lula ou Dilma, nem mesmo para lhe responder ao que dizia respeito a estes na SUA fala. Eu tenho certeza de que eu sou um dos que, no seu ver, ocupam inutilmente espaço vital e merecem morrer. Talvez você não apertasse o gatilho, mas pedisse a alguém que o fizesse.


G.C. - Ricardo Antônio Lucas Camargo tu é louco mesmo, aproveita sua inteligência, procura um médico, um psiquiatra, um psicólogo. Use seu conhecimento político para apontar erros mas sempre sugira sugestões. Aposto que sua sugestão será a volta do Lula... fui.


Ricardo Antônio Lucas Camargo - Realmente, Freud explica. Chama-se "transferência".


G.C. - Esqueceram do Celso Daniel? Eu não....


Ricardo Antônio Lucas Camargo – B.R., onde é, mesmo, que a questão do obscurantismo (palavra surgida no século XVIII, bom lembrar para quem entende que máquina do tempo é artefato que só existe na ficção científica) tem que ver com as investigações do caso Celso Daniel, conduzidas por uma polícia já à época comandada por Governos tucanos (São Paulo), que adorariam encontrar uma ligação mais consistente para destruir a petralhada, mesmo? Antes que digam que não é verdadeiro que os Governos estaduais é que comandam as polícias: por que, então, o Governo Federal apresentou como proposta para revisar a Constituição centralizar nele toda o comando da polícia, retirando-o aos Governadores?”


Onde as aspas terminam é precisamente onde se encerrou a discussão, sem que os que puseram em dúvida minhas faculdades mentais e a honestidade minha e do colega B. R. em dúvida fossem adiante, pouco importa, no caso, se eu venci a partida ou se eles se cansaram da discussão.


Independentemente da discussão de ser ciência ou não a psicanálise, quantas ilustrações magníficas de temas versados mesmo na obra de Sigmund Freud, como a fixação – a obsessão pelo ex-Presidente Lula, mesmo que ele não estivesse mais no poder e não estivesse, sequer, no debate original -, a transferência – a imputação da fixação ao debatedor, quando este procurou demonstrar que uma acusação anterior, decorrente da fixação, poderia caber, muito mais, a quem a realizara -, a negação – a assunção inconsciente da carga de negatividade das noções de “negacionismo” e de “minion”, a despeito de elas serem tidas, conscientemente, como índices de bom patriotismo por parte dos que a assumiram -, estiveram presentes neste diálogo que, volto a dizer, foi travado na vida real.


Um dos trinta e oito estratagemas identificados por Schopenhauer e também por Aristóteles para ganhar uma discussão – a digressão -, esteve ali presente, também, seja quando se introduziu o tema do “apoiar ladrões e bandidos”, seja quando se introduziu o tema do assassinato de Celso Daniel.


O fato da referência ao “obscurantismo” ser confundida, num primeiro momento, com uma apologia a malversação do Erário Público, revela, em última análise, que se confunde, na visão dos que com tal referência se sentem incomodados, a defesa do obscurantismo com a defesa da lisura no trato da coisa pública.


Mostrar que, se o objetivo era falar na defesa da moralidade pública, autoridades eleitas com base neste discurso tinham algo a explicar, em razão de fatos notórios, foi visto como redução da política a “bolsonarismo x petismo”, e como pleito pela impunidade de um crime atribuído à cúpula de integrantes do Partido dos Trabalhadores, cuja apuração, entretanto, caberia a uma polícia subordinada a Governos do Partido da Social Democracia Brasileira, adversário histórico do Partido odiado pelo meu oponente e que teria todo o empenho em descobrir o indício que fosse para confirmar a suspeita, com um empenho semelhante ao que se verificou, no âmbito do Ministério Público Federal, em relação à Operação Lava-Jato.


Claro, num determinado momento, que lancei mão de uma provocação que extrapolaria os limites do debate estritamente lógico, ao supor que o oponente que escolhi seria capaz de matar alguém em nome de que o vermelho fosse expulso do País, mas, justamente por conhecer manifestações no meio dos bolsonaristas neste sentido, a obsessão pela morte e pela destruição de tudo o que consideram deletério, valia a pena dela lançar mão.


Isto porque todo aquele que invoca o discurso do “bom patriota” faz questão de mostrar a intensidade com que merece tal qualificação, e essa intensidade se manifesta ou por um extremado amor pelos símbolos nacionais – enrolando-se na bandeira, marchando nas datas comemorativas das glórias pátrias ou não perdendo nenhum desfile militar, torcendo pela vitória esmagadora nas competições esportivas – ou, como é mais frequente, por um ódio profundo por tudo aquilo que lhe parecesse impatriótico ou denegatório da pureza da glória nacional – o auto-de-fé diante da Ópera de Berlim e os espancamentos verificados na Noite dos Cristais, o ataque de Millan-Astray a Unamuno, para referir exemplos mais remotos -, e a disposição de matar o suspeito de ofender a glória nacional integra, em regra, esta demonstração de intensidade.


Os mesmos “bons patriotas” que comemoram o retardo do início das vacinações como uma derrota política do rival do seu chefe, e que forçam o fim de um lockdown em uma cidade populosa, em tempos de recrudescimento de pandemia, e, a seguir, vem a notícia do colapso das unidades de tratamento intensivo naquela mesma cidade em especial pela falta de oxigênio.


Por fim, o que se nota deste diálogo é que houve uma implícita assunção do primitivismo como índice de honestidade da parte de pessoas, como dito, dotadas de diploma de curso superior, ou seja, a prova de honestidade é reduzir o vocabulário a “uga, buga”.

 

RICARDO ANTONIO LUCAS CAMARGO* Professor nos cursos de Graduação e Pós Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Professor Visitante da Università degli Studi di Firenze – ex-Presidente do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública – IBAP.


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